Punk, hardcore e alternativo

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Sobre Valciãn Calixto e a incômoda experiência de ouvir um álbum à frente do tempo

Que álbum é esse? Não gostei!

Confesso, sim, não me entenda mal. A primeira vez que ouvi o álbum “Foda!”, do músico piauiense Valciãn Calixto, senti certo incômodo com aquelas 10 faixas que me soaram inconcebíveis. Não entendi nada, achei ruim, fechei o player e julguei que jamais ouviria aquilo novamente.

Valciãn, felizmente, não enviou seu material apenas para o Nada Pop, fez o que muita banda deixa de fazer por preguiça. Insistiu, correu e não teve medo/vergonha de mostrar seu álbum para quem fosse possível. Resenhas, notas ou comentários surgiram ao longo do lançamento do álbum trazendo elogios e um reconhecimento sobre o trabalho que começou a me despertar aquela dúvida cruel que sempre me permito ter: “será que meu julgamento foi equivocado?”.

O saber é algo que adquirimos, não nascemos com ele. Na música esse conhecimento está atrelado a sua bagagem social e cultural, ou seja, temos tendência de gostar e nos animar com aquilo que é confortavelmente familiar. Esse é o erro comum que fecha o pensamento e cria barreiras para o novo. Saber que outras pessoas estavam enxergando algo que eu mesmo não vi, me fez ir de encontro com aquilo que julgava saber e, se mesmo assim continuar não gostando do álbum, ao menos me possibilitei um novo olhar sobre o trabalho de um artista independente.

Mas na segunda vez que escutei o “Foda!” mergulhei nas histórias que Valciãn trouxe e me deparei com algo que ninguém, até aquele exato momento, tinha reparado: o álbum está à frente do seu tempo.

Geração TrisTherezina

Geração TrisTherezina: “Nada tem sido fácil, tampouco impossível”

Valciãn faz parte do coletivo cultural Geração TrisTherezina, formado por músicos, artistas visuais e escritores do Piauí. É, como se diz, a parte de um todo, mas que trabalha de forma organizada para ultrapassar barreiras e divulgar com qualidade os projetos que permeiam o coletivo. É o exemplo de Joniel Santos, que recebeu reconhecimento fora do Piauí com a sua HQ autoral intitulada Beeline. Além de lançar a HQ em 2015, no Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) de Minas Gerais, o trabalho também foi indicado a quatro categorias na premiação HQMix 2016. As categorias que disputa são: Novo Talento Desenhista, Novo Talento Roteirista, Edição Especial Nacional e Edição Única Independente. O resultado dessa premiação acontece no dia 20 desse mês.

As bandas que se somam ao coletivo trazem características distintas e contribuem na fomentação cultural de Piauí. É possível reparar ainda um cuidado bem interessante na escolha dos nomes das bandas: Cidade Estéril, Cianeto HC, Doce de Sal, Dzaia, Flores Radioativas, Orquestra Bimotor e Old School Kids. A Geração conta ainda com o fotógrafo Breno Andrade (instagram @piauinatural), Eryka Alcântara (poeta e produtora) e Ronnyel Seed (designer).

Mesmo não atuando como um integrante do coletivo, Agostinho Torres é mencionado como colaborador e conselheiro da Geração. Autor do livro “O Que Acontece Quando Não Estamos Olhando”, com contos de ficção, literatura fantástica e horror, Agostinho é idealizador do site Diretório Literário, que traz publicações sobre cultura em geral, desde entrevistas com escritores brasileiros a resenhas de livros, discos e espetáculos.

Geração TrisTherezina - Livros publicados
Geração TrisTherezina – Livros publicados

Em 2016, os primeiros lançamentos da Geração TrisTherezina, com produção colaborativa, foram apresentados ao país. Em março teve o álbum solo do Valciãn Calixto, o “Foda!”, seguido pelo lançamento em abril do EP “Decair, da banda Cianeto HC. Neste EP é possível perceber influências de Bad Religion ao mesmo tempo em que a banda flerta com o ska, metal, reggae e rap.

No Bandcamp da Geração (http://geracaotristherezina.bandcamp.com) está disponível para download e streaming os álbuns das bandas bandas Flores Radioativas, Orquestra Bimotor, Doce de Sal, Valciãn Calixto e Cianeto HC. O primeiro trabalho da Old School Kids está entre os próximos lançamentos da Geração, ainda sem data definida. No entanto, na fanpage do coletivo é possível acompanhar todas as novidades (shows e lançamentos) e ainda encontrar diversos links de entrevistas e resenhas que já foram realizadas com o coletivo ou com as bandas e artistas que integram a Geração: http://www.facebook.com/geracaotristherezina/.

Print Bandcamp - Geração TrisTherezina - Jpeg
Print do Bandcamp da Geração TrisTherezina

Sobre o álbum “Foda!”

Válciãn Calixto não é um cantor, é importante deixar isso claro. Mas você diria que Nenê Altro é? Ou Jair Naves? Resolvida essa questão, entenda que isso deixará de ser o mais importante a partir daqui. As questões abordadas e o ambiente musical criado em “Foda!” poderiam deixar Torquato Neto com muito orgulho da nova geração de artistas do Piauí. São coisas que não vemos com muita facilidade ou com a mesma delicadeza e alma. Temas como suicídio, assédio, abuso de autoridade e loucura são o mote poético de Vanciãn, ora cantados quase como em grito, ora como em sussurros.

O título do álbum já começa libertário e sem dúvida a primeira coisa que chama atenção. Não à toa, ganha diferentes significados e poderíamos dizer que representa as dificuldades para se produzir, gravar, lançar e fazer a “música circular” diante de todas barreiras e limites estruturais de Teresina. Tudo isso sem qualquer concessão que pudesse comprometer a qualidade de um álbum. “Nunca entregar os pontos”, diz uma das canções (a faixa 9).

“Foi foda me desfazer de duas guitarras que eu tinha junto com pedais, set de pedais e instrumentos que eu vinha juntando desde os 18 anos, na verdade isso foi o de menos já que o dinheiro que consegui vendendo esse material foi todo para custear a gravação do cd, ainda que tenha diminuído as possibilidades de explorar timbres e sonoridades nas músicas. Mas é aí que entra a intuição, sinceridade e tentar o melhor com seu próprio limite. Eu tentei” – Valciãn Calixto

Então quer dizer que o álbum traz poesias cantadas? Mais ou menos. As implicações musicais demonstram uma busca pela diversificação. Melodias que passam pelo rock agressivo, harmonias densas e melancólicas denominada pelo próprio artista como “Axé Punk”. Há muito experimentalismo e Spoken Word, algo que pode causar certo estranhamento no início.

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Valciãn Calixto – Crédito: divulgação

Mas preste atenção nas letras, sinta as melodias. Permita-se ao menos a empatia com boa parte das histórias apresentadas em “Foda!”. Tente se enxergar ou se colocar nas situações das músicas “Agarrado à Minha Frustração”, “Cerimonialista”, “Sobre Meninas e Porcos”, “Teoria do Abacaxi” ou “Núcleos de um Romance Engavetado”. Poderia dar uma de Batman do recente filme da DC e perguntar se “você sangra” para em seguida dizer “vai sangrar!”.

Com participação de integrantes da Geração TrisTherezina, o álbum foi gravado no ATM Estúdio e mixado por Arthur Raulino. Todas as músicas, arranjos e letras são de composição do Valciãn, mas as baquetas no álbum foram realizadas pelo seu irmão, Marciano Calixto, alguém que é agradecido e citado como de fundamental importância para conclusão do álbum. A capa do “Foda!” foi feita por Breno Andrade.

Em resumo, “Foda!” é um álbum à frente do seu tempo. Um dos melhores lançamentos de 2016 e representante de uma Geração que poderá nos surpreender ainda mais positivamente em breve. Ouça e sinta. Se na primeira vez que você ouvir o álbum sentir certo incômodo, talvez perceba o mesmo que eu percebi. No ano passado, Valciãn lançou o livro de poesias “Reminiscências do caseiro Genival”, com temas semelhantes ao do álbum e que pode ser adquirido AQUI.

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2 respostas

  1. “Certo incômodo” é uma maneira “polida” de se dizer que as músicas deste álbum de Valciãn Calixto são tão “horríveis” de se escutar que nos faz acabar escutando mais para saber se vai dar em algum lugar. “A frente do seu tempo?” não sei… “Ousado ? ” certamente ! A pergunta que que eu acho que fica é : E não é justamente desta “ousadia”, deste “fazer diferente” que estamos precisando para sair da mesmice de melodias e harmonias manjadas ? Minha interpretação pessoal é de que não necessariamente precisemos “gostar” de algo para respeita-la. Pela ousadia, caráter e originalidade… meu voto é SIM ! Que venham mais Vaiciâns Calixtos para desafiar nossas limitações. : )

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