Punk, hardcore e alternativo

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Parte 5 (conclusão) – Diário póstumo da tour pela Europa do Desacato Civil

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Chegamos na parte cinco e final deste diário póstumo da tour do Desacato Civil pela Europa. Para ler as partes anteriores desse diário basta acessar: Parte 1; Parte 2; Parte 3 e Parte 4.

Tuscia Hardcore – Viterbo/Lacio – Itália

Chegamos aos dois últimos festivais da tour. A parte cansativa passou, porém, o acumulado de quase um mês já estava começando a pesar. Particularmente, eu já estava no piloto automático com vontade de voltar para o Brasil! Mas esse cansaço se equilibrava com a empolgação de tocar no Tuscia Hardcore e no Rebellion. O Tuscia foi o motivo principal para nossa viagem, tudo começou quando fizemos o contato com eles. Estávamos ansiosos pois a galera do festival teve acesso ao nosso som e fez bastante questão de dar as condições necessárias para que pudéssemos ir. Datas, ajuda de custo, posicionamento no line-up, etc.

Cartaz do festival Tuscia Hardcore

Até então só tínhamos andado em zonas com pixos, grafites, adesivos e outras simbologias, antifascistas. Quando entramos perto de Viterbo, na região do Lacio, trombamos as primeiras pichações e adesivos de faccios, para variar da torcida ultra da Lazio. Devia ser a área deles. Mas foi só isso mesmo, não chegamos a nos encontrar.

O Rebellion foi um bônus track posterior, inicialmente a tour foi montada para finalizar no Tuscia. Pessoalmente, esse era o festival mais esperado! E cumpriu as expectativas todas! O festival é muito organizado, o clima da galera é ótimo. Assim como em outras situações que encontramos, esse festival teve que mudar de local em relação às edições anteriores. Dessa vez o festival foi em um galpão enorme em uma área aparentemente rural.

Várias bandas fodas novas e clássicas! Tocamos novamente com o Nabat, que era uma coisa que eu nunca imaginei que ia acontecer! Dessa vez o Nabat na versão completa. Em geral foi o festival com maior diversidade de estilos de som. Tinha Kina com bastante influência post-punk, em alguns momentos lembrando Hüsker Dü. A ira e o hardcore punk dos bons do No Fu. E nossos amigos do The Radsters. Tocaram bandas de toda a Itália nesse festival.

No outro dia, na hora de voltar para Bologna, tivemos a agradável surpresa de descobrir que entrou água da chuva na parte elétrica da van devido a batida que demos e teríamos que fazer a viagem inteira sem luzes e lanternas. No final deu tudo certo, a “CET italiana” não achou nada estranho e chegamos a nosso destino.

De volta pra Bolonha, nos despedimos da Paola, a nossa babá da tour, e trombamos só com as “lendas” punks de Bolonha que a gente sempre ouvia falar e conhecemos pessoalmente, só vilão e vilona. O Call the Cops fez uma macarronada para nós quase como a do clipe deles para depois colar no show do Negative Aproach, que tava rolando ali por perto. Punks de Bologna não bebem água e não usam chinelos em espaços públicos, tivemos essa lição cultural!

A Itália foi muito louca, foi um capitulo a parte! Batemos van, tomamos chuva, colamos na praia de areia preta, etc. Depois disso voltamos para a Inglaterra, agora em Manchester, para tomar chuva por três dias, ver os estádios dos times e depois partir, finalmente, paro o nosso último som! Já estávamos cansados pra cacete, brigando por coisa idiota e com saudades até das nossas rotinas sem vergonha no Brasil. Dormir mais de três dias no mesmo lugar, saber se vai poder tomar banho e usar o mesmo banheiro é um luxo que sentia muita falta. Já batia umas saudades de ouvir um idioma que pudesse entender nos rolês, eu era tipo o Tazmania, só me comunicava por grunhidos, gestos tentativas mal sucedidas de misturar as poucas palavras que conheço de vários idiomas em uma só frase.

Leia (em inglês) a resenha do site Radio Punk sobre a participação do Desacato Civil no Tuscia Hardcore – CLIQUE AQUI

Rebellion Punk – Manchester e Blackpool – Inglaterra

Voltamos pra Inglaterra para finalmente ter uns dias de rolê e descanso! Ficamos em Manchester tomando garoa, conhecendo a cidade e deu tempo de refletir um pouco sobre o que estava acontecendo. Passou pela cabeça a doidera que deve ter sido para as primeiras bandas brasileiras que foram para a Europa, com muito menos recursos, sem os Google Maps da vida e sem o acesso à informação prévia que a gente tem. A gente, com todas essas facilidades tecnológicas a mais, já sofremos um choque, deu para imaginar como devia ser nos anos 80 e 90! Estando lá, ficamos assistindo documentários de outras tours para valorizar essa coragem que outras bandas tiveram no passado para abrir o caminho para as bandas de hoje. Com certeza, não foi pouca coisa e estando lá isso fica mais claro.

Flyer de apresentação do Rebellion sobre Desacato Civil.

O Desacato Civil embarcou nessa pra tocar e se divertir, mas também para fazer intercâmbio político e cultural. Quando você parte para outro país muito longe da nossa realidade, dá para ter um olhar distanciado do que nós somos. Dá para entender que a gente não faz parte só de um lugar, todas as coisas fazem parte de um contexto internacional e o que vivemos lá, longe na cidade de São Paulo e do Brasil, tem ligações com o que se vive na Inglaterra, Itália, República Tcheca, por exemplo. Dá para entender que uma banda não é nada sem milhares de outras, e que o punk e a música underground sobrevive a tantos anos porque sempre terá uma banda de garagem que nós nunca vimos tocando lá nos porões da Escócia. E eles terem a noção da importância de existir bandas em países como o Brasil, Argentina, Indonésia, entre outros, produzindo coisas com muito menos recursos e com muito mais dificuldade para sobreviver.

O punk é uma espécie de vanguarda de um movimento musical em que a construção coletiva é primordial. É uma pequena célula de como poderia ser a cultura em um mundo coletivo, sem individualismo. Reforçamos em nossas mentes e corações que uma banda punk por melhor som que ela faça ela jamais sobreviverá sozinha. Para viver o individualismo, ou ela deixa de ser punk e se entrega ao mercado, ou morre! Fez bem mais sentido o lema “Do it yourself or die”.

Partimos então para um dos maiores festivais de música punk do mundo, o Rebellion. Quando falamos dessa informação ouvimos de tudo sobre o festival. Que era o maior festival do mundo, que era um sonho para os punks. Ou que era um festival de playboy que capitalizava em cima da cultura punk. Vários sentimentos sobre o festival como todas as coisas grandes e com renome geram.

A nossa opinião é que vivemos no capitalismo e todas as coisas são contraditórias e complexas; a melhor coisa a se fazer é analisar todas essas coisas para gerar alguma síntese – que nem sempre será possível chegar, sobretudo quando estamos em outro país com a conjuntura muito distante do que estamos acostumados.

Flyer do 1º dia do Festival Rebellion com a presença do Desacato Civil. A banda tocou no mesmo dia do Descendents, entre dezenas de outras bandas punks.

O Festival é fora da realidade para os nossos padrões latino americanos. Ele acontece num teatro com a estética pomposa parecida com o teatro municipal de São Paulo, com corredores que levam a várias salas, onde aconteciam os shows. Por dia, no chutômetro, deve ter colado no festival umas 20 mil pessoas! A estrutura é imensa, só o backstage para as bandas é maior que a maioria dos lugares que tocamos aqui na normalidade. Deu para ter uma noção de como o movimento punk foi grande na Inglaterra, a presença de idosos com visual carregado é muito grande. Pelo tanto de banda, eu imaginava que deveria ter vários patrocínios, mas, pelo menos em banners, não existe nenhum. Todos os banners são somente do festival mesmo. A realidade é tão diferente que não entra na cabeça como viabilizar esse megaevento que a cidade inteira espera para acolher, sem patrocinadores aparentes, como normalmente é aqui no Brasil. Não deu para saber se existe patrocínio, se ele se autofinancia com bebidas, merch e entradas ou se tinha alguma ajuda da prefeitura. O que dá para saber é que muitos do pessoal que trombamos em Bristol já estava esperando o festival e muitos deles trabalhavam nele. O valor do ingresso para nós é estratosférico, porém para a realidade deles me pareceu dentro das possibilidades.

Tocamos e vimos shows de muitas bandas clássicas que nunca pensamos em ver. Tantas que nem dá para citar. Vimos Conflict, Subhumans, Cock Sparrer, Vice Squad, e mais quase uma centena de bandas. O Rebellion foi um ponto fora da curva da nossa tour, com toda a certeza. A gente nunca tinha tocado em algo parecido nem no Brasil. E o caráter dos outros lugares era muito político, o Rebellion tem bastante manifestações individuais e das bandas em relação a antirracismo e antifascismo, mas não do próprio festival. Ele é bastante centrado na música punk mesmo. Esse ano tocaram várias bandas latino americanas como Inocentes (pela primeira vez na Europa), Subalternos, Asfixia Social, 2 Minutos, nós e várias outras. O festival chegou a um ponto que parece estar abrindo para bandas além da Europa.

Demos sorte que tocamos logo no começo do festival e na hora em que tocamos estava tendo apenas o nosso show e um de uma outra banda. Normalmente tinham seis shows simultâneos e em pelo menos algum deles teria uma banda grande. Demos sorte e nosso palco, o Pavilion, colou bastante gente para ver! Em cinco minutos vendemos todos nossos materiais, deu pra notar que na Inglaterra eles tem uma veia mais colecionadora, curtem mais adquirir materiais de outras bandas.

No balanço, foi uma experiência bem louca tocar num festival com esse tamanho. Dividir o nome da sua banda que colocamos em um almoço na Lapa, com várias bandas clássicas, ficar quatro dias vendo bandas o dia inteiro até o corpo não aguentar e a gente não ver a hora de acabar The Damned para ir descansar! (vendo de longe parece burrice isso mas na hora fazia muito sentido). Tudo isso foi algo bastante enriquecedor.

Enfim, passamos o último episódio da tour! Foi um mês insano, agora depois de um tempo dá para entender um pouco melhor tanta informação! Em 13 shows toquei com 12 baixos, um beijo grande para todas/os que me emprestavam os baixo! Pegamos nove aviões, busões incontáveis, sete países e o mais importante, conhecemos muitas pessoas e realidades!

Não é tanto, mas conseguimos levar nossas ideias antifascistas onde teve espaço para ocupar. Se tem espaço, ocupemos! Se não tem, tomemos de assalto! Tentamos ao máximo mostrar as bandas brasileiras que não puderam vir ainda, porque não somos ninguém sem elas, e também conhecer as bandas ativas dos países que passamos para tentar trazer para o Brasil em alguma oportunidade. Foi da hora, acho que conseguimos o que pretendíamos!

Estamos já todos de volta nos nossos trampos, pegando o metrô de sempre. E a beleza do punk é essa, pessoas normais que falam sobre suas realidades em suas músicas e que veem suas bandas como mais uma necessidade para sobreviver dentro desse sistema cão. Dizem que é muito difícil viver de música no Brasil, mas a gente discorda. É difícil fazer dela um trabalho, mas como acreditamos que trabalho e vida são coisas diferentes, podemos dizer que nós e muita gente vivemos sim de música!

Para ler as partes anteriores desse diário basta acessar: Parte 1; Parte 2; Parte 3 e Parte 4.

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