Sinceramente, poucas coisas nos últimos dias andam me estimulando a escrever. Se não fossem os amigos, café e a necessidade de ganhar dinheiro – mesmo trabalho home office (quarentena rules) -, eu detestaria me obrigar a levantar da cama, abrir os olhos e ainda pensar que podemos ser um país justo, a caminho do progresso e com chances iguais para todo mundo… Mas sabe, é isso mesmo o que eles querem, essa sua, a minha, a nossa letargia. Precisamos, nem que seja por alguns momentos do dia, nos incomodar e execrar o que quer que esteja neste governo de merda.
Mas vamos lá. Em outubro de 2018, o povo brasileiro fez sua escolha. Foi às urnas e elegeu um governo que não tem vergonha de demonstrar ignorância, machismo, homofobia, racismo e fanatismo religioso. Um projeto de poder simpático à máfia das milícias, ao massacre de povos indígenas e ao desmonte da educação, que permite e apoia todo tipo de absurdo inaceitável e, como dito acima, execrável.
Esse desastre ambulante foi aplaudido por parte da população, a mesma população que se enxergava e se identificava com cada ato preconceituoso, ignorante e com uma vontade enorme de jogar para todo o mundo o seu fascismo. O Brasil foi se tornando ainda mais polarizado, imbecil, vergonhoso para o resto do mundo e, para muitos, até inabitável.
Bolsa de Colostomia
Em pleno aniversário do do golpe militar que encerrou o governo do presidente democraticamente eleito João Goulart, também conhecido como Jango, em 1.º de abril de 1964, a banda punk Aparelho lança esse EP que já nasce clássico e intitulado “Bolsa de Colostomia”. É o terceiro trabalho do grupo que reúne sete faixas inspiradas na atual era de podridão moral e de falta de caráter que estamos vivendo. Um manifesto contra a canalhice desgraçada que assola o país desde que o atual governo tomou posse.
O disco sai em 3 de abril pelo selo Aurora Discos, com distribuição digital pela Tratore. Vamos falar um pouco sobre as faixas, pois temos um papo longo com o Marcão, que farei questão de colocar na íntegra as suas respostas.

EP Bolsa de Colostomia: Da faixa homônima, que abre o novo trabalho, a “Sonho Lindo”, que o fecha, passando por títulos sugestivos como “Hétero Branco”, “Classe Média”, “Guerra Civil”, “Extrema Direita” e “Golpe Militar”, a banda deixa registrado seu repúdio e desprezo pela ignorância e pelo mau-caratismo que nos pôs nesta situação. Um disco essencial numa época marcada por repressão e perseguição a todo grupo ou setor da sociedade contrário à maligna horda de fascistas que pretende dominar o país.
Com sete músicas, o EP foi gravado em dezembro de 2019, no Estúdio Aurora, em São Paulo, com produção de Carlos Eduardo Freitas (Carlão para os íntimos), que se juntou a Marcão (voz), Marck (guitarra) e Renato (bateria) e assumiu o baixo durante as seções. O EP será lançado pelo selo paulistano Aurora Discos, responsável pela gravação e lançamento de nomes independentes como Pin Ups, Combover e Quarteta. A distribuição digital fica por conta da Tratore. Os outros dois registros do grupo estão disponíveis no perfil da banda no Bandcamp: https://aparelhopunk.bandcamp.com – além de estar em todas as plataformas digitais, como Spotify, Deezer e Apple Music.
ENTREVISTA PUNK / MARCÃO / APARELHO
Estamos vendo a incompetência de um presidente, mas por outro lado, há muita insanidade. O quanto bizarro é para você esse governo e se você acha que há saída de verdade para tudo isso.
Eu vejo esse governo como um verdadeiro show de horrores. Tem terraplanista, nazista, fanático religioso, débil mental… Tudo capitaneado pela aberração tosca, suja e maligna que ocupa a presidência. Por outro lado, também vejo essa turma nefasta como representante legítima de grande parcela do povo brasileiro. Antes das eleições de 2018, o Brasileiro, esse trouxa, já conhecia Jair Messias Bolsonaro. O cara que disse à deputada Maria do Rosário que não a estupraria porque achava ela feia, que disse à Preta Gil que seus filhos não se relacionariam com uma negra porque não eram “promíscuos”, que homossexualidade ocorre por falta de porrada na infância, que o “grande erro da ditadura foi torturar e não matar”, entre outras barbaridades.

Essa criatura atuou no parlamento por 30 anos, sendo eleito, reeleito e ainda elegendo os filhos. E conseguiu isso sem fazer nada além de proferir discursos repugnantes. Ou seja, grande parte do povo que votou nele por todos esses anos e o ajudou a se tornar presidente do país concorda com ele. É, sim, um povo burro e preconceituoso. A grande sacada desse canalha durante toda sua vida pública foi saber se aproveitar da ignorância, da tosquice e do preconceito. Por outro lado, toda essa ignorância e essa escrotidão de muitos dos brasileiros atendem aos interesses de uma elite maligna, que lucra com isso. A micro parcela privilegiada que concentra a maior parte das riquezas do país. Magnatas gananciosos que querem que o povo seja burro mesmo, pois, dessa forma, não exige direitos trabalhistas ou humanos nem vê a desigualdade social como uma injustiça a ser combatida. Saída para isso? É difícil. Dependeria de o Brasileiro esquecer seus preconceitos idiotas e enxergar que seu verdadeiro inimigo são os ricaços que passeiam de iate enquanto tem gente morrendo de fome.
Isso só vai acabar se a gente se unir e partir pra cima desses ricaços, tomando a fortuna deles e distribuindo de maneira justa, investindo principalmente em educação, para o povo deixar de ser burro e nunca mais votar numa aberração podre como Bolsonaro.

Você acha que Bolsonaro fez bem para o rock, o rock que realmente se posiciona.
Então, acho que não dá pra dizer que o Bolsonaro fez “bem” ao rock, porque esse verme é incapaz de fazer bem a algo. O fato é que o rock, e principalmente o rock com letras sérias e de protesto, anda meio esquecido pelo público em geral, ultimamente. Não é igual aos anos 80, quando Bichos Escrotos, do Titãs, tocava em várias rádios. Hoje, a maior parte da juventude prefere sertanejo universitário. Mas eu e vários amigos nunca deixamos de ver show de banda autoral. Seja no Hangar 110, em picos que já fecharam como o Outs e o Inferno, na Augusta. Mas sempre foram poucos lugares.

Depois do golpe contra a Dilma, da retirada de direitos dos brasileiros do governo Temer e, agora, da chegada de um governo de extrema direita ao poder, o que senti foi que a molecada deu uma acordada. Várias bandas novas de jovens surgiram e várias bandas clássicas voltaram. Bandas com letras que metem a boca no sistema. E começaram a aparecer mais espaços pra essa galera tocar. Enfim, não é que o Bolsonaro fez “bem” ao rock. É meio que natural do ser humano, quando está revoltado com algo, se unir aos que pensam como ele para protestar. Dar uma resposta. E muitos jovens estão encontrando no punk rock uma forma de dar essa resposta à era escrota que estamos vivendo. Acho isso ótimo e espero que se fortaleça cada vez mais.
Acrescente mais ódio a essa entrevista. Deixe um recado final.
Só queria reforçar que a gente não pode aceitar em hipótese alguma um governo de extrema direita. A gente tá vendo, principalmente agora que tá rolando a crise do coronavírus, a administração desastrosa e os rompantes psicóticos e genocidas do presidente. A gente não pode deixar isso acontecer de novo. Não podemos deixar outro fascista chegar à presidência do país. Respeito quem defende o anarquismo e o voto nulo. Acharia ótimo uma revolução anarquista, que acabasse com a opressão de qualquer tipo de governo. Mas convenhamos que, se isso acontecer um dia, ainda tá bem longe.

E me entristeceu, em 2018, durante as eleições, punks que se dizem anarquistas arrumando treta com quem vota na esquerda. Quando um verme fascista está na iminência de chegar à presidência, não interessa quem é anarquista ou socialista, todo mundo vai se dar mal. Acho que, independentemente do que cada um pensa ou acredita, todos temos que lutar por um mundo menos desigual e mais justo. Todos temos que combater o racismo, a homofobia, o machismo e atitudes fascistas no geral. Então gostaria muito de que, dentro do movimento punk, essas tretinhas sem sentido acabassem. Se for pra gente tretar, que seja com os fachos. Esses, sim, a gente tem que esculachar.