Kool Metal Fest – Eskrota, Cemitério, Surra, Nervosa, Krisiun e Brujeria: música extrema, protagonismo feminino e antifascismo no Carioca Club, em Pinheiros, São Paulo
Por Yasmin Silva, mais conhecida como Paçoca Psicodélica
O rolé
Naquele 10 de novembro de 2019, a primeira coisa que eu disse (e a segunda também) ao entrar no Carioca Club foi “Caralho que lugar foda!”. Era quase 4 da tarde, Mateus (o fotógrafo) e eu estávamos no fluxo “da galera começando a chegar”. Fui conhecer a casa e colocar meu celular para carregar (vacilo, né?) minha expectativa para os shows era alta e a responsa também.
Mas como a Paçoca Psicodélica, pedaleira-cigana-hippie-77 foi parar no KOOL METAL FEST em Essepê no meio dos headbanger? Porque a vida é aleatória! Dias antes, surgiu a convocatória do Nada Pop no site feice (book) e atirada que sou disse que sim sem mesmo saber se seria financeiramente viável. Dei um jeito e no sábado seguinte, pouco antes de meia-noite, eu recebia um chocolate do motorista do ônibus daquele app de descontos, que me levaria para fazer esse bate-e-volta gostosin: casa-SP-show-trampo-casa!
Eskröta
Pontualmente, as cortinas do festival se abriram para a Eskröta com Tamy (baixo e backing vocal), Miriam (batera) e Yasmin (vocal e guitarra) e seu crossover/thrash metal honesto e ali pertinho do palco eu abri um sorriso muito, muito grande me sentindo privilegiada por ver aquelas mulheres incríveis que pisavam pela primeira vez o palco do Carioca Club (como a Yasmin Amaral, minha xará, vocal e guitarra da banda, mencionou feliz e agradecida). Quem não ligou pra entrar/chegar cedo por não assistir bandas de abertura ou banda feminina, já considero um otário e nesse caso foi 2x porque o show foi foda!
A primeira do set , Crime Hediondo, e seu refrão “Sem tolerância com estuprador / Até dentro de casa esse horror / Sem tolerância com estuprador / Culpam a mulher desse terror” foi berrado por várias garotas que estavam perto de mim e já mostrou a tônica do show. De arrepiar. Nessa hora meus olhos se encheram de lágrimas. A postura contra o fascismo, o machismo e a violência contra a mulher foram fortemente reforçadas durante o show: na lembrança e pedido de justiça por Marielle Franco na música Executável, na convocação de mulheres à frente e no mosh e na música literalmente dilacerante Episiotomia.
Além de executar furiosas todas as 7 faixas do álbum Eticamente Questionável e nos surpreender ao chamar o ex-batera da banda Jhon França, atual Cerberus Attack, para tocar na música que leva o nome do álbum, as minas mandaram as novas Burn the Poor e Playbosta (gosto de cantar com ênfase no “bOsta”) e um cover da Ratos de Porão – AIDS, Pop, Repressão– que levantou o mosh pit! Pra encerrar essa sequência de porrada e consciência social, a banda nos chamou ao palco para fazer os vocais em Mulheres, “30 segundos de loucura” como a baixista Tamy disse, e é claro: subi. “Ninguém me representa! Não sou obrigada! Machista não passa!”, gritamos.
Cemitério
Nesse intervalo curtíssimo descobri uma parte da casa que era ao ar livre e fiquei parecendo o Chico Bento, achando todo mundo muito bonito e estiloso. Quero um cinto de bala e um coletinho com patchs! Hehe Resolvi ir pro camarote pra ter uma visão geral melhor e o Mateus ficou fazendo as fotos lá pertinho do palco, movimentando-se apenas para os cliques e com as porradas que levava de vez em quando. Começa o show da Cemitério com seu Death Metal em português com um diferencial: letras que falam de filmes clássicos de terror.
Hugo Golon é um monstro e a banda ao vivo é brutal. A banda tocou as faixas do EP em homenagem ao mestre do terror nacional José Mojica, o Oãxiac Odèz e sons do álbum Cemitério com fãs indo a loucura em O Dia de Satãn, Sexta-feira 13, Natal Sangrento, A Vingança de Cropsy… Na verdade a galera cantou foi tudo! Quase não teve roda porque tava todo mundo ocupado brandindo os braços cantando alucinado e de olho no palco: execução e resposta do público fantásticas! A casa já estava cheia e vi um cara gritar zoando “toca mais rápido!” uhahuahuahua Tava rápido pra caralho!
Saindo do mundo da ficção, para a minha surpresa, ao final do show o Golon mandou no estilo “antes que eu me esqueça” um “Bolsonaro vai tomar no c*!” o que me despertou ainda mais interesse em conhecer melhor a banda. Na verdade, depois desse show me deu vontade até de ver filme de terror! Ah, sim… eu tenho medo, fico impressionada com Terror e acho que não vi nenhum ao qual as músicas fazem referência. Zé do Caixão? Morria de medo quando era criança. Cê loko!
Surra
A energia do festival cresceu de maneira absurda com a banda Surra! A casa já estava lotada quando os caras já na primeira música mostraram a velocidade do seu crossover/hardcore e a roda foi imediata, embora com menos garotas agora. Leoo Mesquita (voz e guitarra) mandou de cara o papo: “Vamos fazer uma noite divertida, sem assédio, sem mancada, sem violência!”. E assim foi não só o show, mas devo dizer que toda a noite!
A banda fez valer a pena cada minuto e cada gota de suor tocando as músicas do álbum Escorrendo pelo Ralo e os sons mais antigos que todo mundo cantava. A roda que eu tava doida pra ver acontecer já era a regra e só parava entre uma música e outra (esse breve espaço era suficiente pra xingar o presidente naquele mantra maroto que todo mundo já conhece), a galera invadindo o palco. Já tava tudo perfeito quando fomos surpreendidos.
Antes de tocar Parabéns aos Envolvidos, single que saiu ano passado, a banda jogou um pato inflável amarelo gigante para o público!!!! Mano do céu! A galera jogou o pato pra lá, o pato pra cá. Pega o pato, dá na cara do pato, taca o pato no mosh… hahahahha Até que a coisa cresce mais, pra quê limites né? Como num ritual lúdico e anarcomonarcopato uma pessoa sentava no pato, era erguida pela multidão até cerca de 2m de altura, por alguns segundos todos comemoravam até que o rei caía ou se jogava por cima da multidão, sendo rapidamente substituído. Isso me fez gritar eufórica me sentindo nos anos 90 novamente: CARALHOOO EU QUERO MORRER NO UNDERGROUND! As pessoas no camarote me olharam, mas eu nem liguei e tive certeza que o bom humor e porque não dizer o nonsense são as marcas registradas do hardcore que eu mais gosto.
Nervosa
Dei uma volta e fiz algumas fotos com umas minas muito legais que conheci. Falei do Nada Pop e do meu podcast, o Pedaleiras. Mas o evento tava organizado e rapidinho começou a Nervosa (thrash metal) mostrando o peso do metal feminino e porque é atualmente um dos grandes nomes do metal nacional e mundial (inclusive, o trio estará no Wacken 2020, na Alemanha). Fernanda Lira (voz e baixo) musa das caretas divertidas e “malvadas”, a “diabólica” guitarrista Prika Amaral e a batera Luana Dametto são gigantes no palco fazem um som agressivo – e em vários momentos próximo ao death metal – e levam os fãs ao delírio.
Fernandinha “cristal sem defeitos” (como foi carinhosamente apelidada há poucas semanas por uma fã carioca no Instagram, numa alusão à sua paixão por cristais e suas potencialidades holísticas) agradeceu muito ao público e destacou em sua fala a importância da presença feminina no metal, como público, banda e onde mais a mulher quiser estar, bem como a importância de valorizarmos o metal nacional.
A Nervosa foi mais uma banda presente declaradamente antifascista como foi dito em Never Forghet, Never Repeat com o público cantando junto o poderoso refrão. Guerra Santa também teve destaque no show junto à fala de Fernanda sobre o quanto é perigoso a unificação entre Estado e Igreja. A finaleira foi por conta da icônica Into Mosh Pit com uma grande roda (novamente com mais garotas) cheia da fúria headbanger que faz você se sentir vivo. Que show!
Krisiun
É a vez dos veteranos. O palco mais elaborado, tinha pinturas dos dois lados e ao fundo não mais apenas a logo, mas imagens e artes da banda, que já na intro, conseguiu modificar completamente a atmosfera do Carioca Club que ficou imediatamente densa. Até mesmo a roda parou e o público observava como que anestesiado a apresentação impecável do Krisiun do alto de seus 30 anos de metal.
O show fez parte da turnê mundial do álbum Scourge of the Enthroned lançado em 2018 (e que remete às raízes do death metal), mas contou também com consagradas como Blood of Lions que a galera cantou junto. Alex Camargo agradeceu muito ao público, exaltou o metal nacional e falou da importância de valorizarmos a cultura produzida no país mas não sermos cegos diante os problemas sociais e que o metal era a nossa religião. Nesse momento os gritos de “Ei Bolsonaro, vai tomar no c*!” ressurgiram e o vocalista colocou brevemente o microfone pra galera gritar.
A cláaaasica Black Force Domain foi a música final com a metralhadora que é a bateria do Max Kolesne e a lancinante guitarra de Moisés Kolesne fez com que a galera além de cantar abrisse a roda mais foda do show. Falando nisso, achei muito legal ver o Alex falar roda e não mosh pit. Velha guarda, parceiro! Hehe
Brujeria
Brujeria foi a única banda que entrou com um pouco de atraso e eu já estava ficando preocupada com a hora pois queria ver o show todo, mas no máximo dez e meia tinha que sair dali. A *garotinha que apresentou a banda era muito fofinha e sua presença no palco foi o último momento “de paz” daquele show. Felizmente. Já na primeira música um delicioso caos se instaurou: garotas e rapazes subindo e descendo do palco e uma roda que parecia um liquidificador gigante. Rolava também gente passando por cima de você e dando mortal do palco, o que fez com que alguns fotógrafos saíssem de perto do palco. Até o querido Mateus, que tava nessa comigo, disse que quase se machucou com a câmera duas vezes.
Um show de deathgrind com elementos de teatralidade que levaram a galera ao êxtase, cheio de clássicos como La Migra, Revoluicón, Viva presidente Trump!, Matando Gueros e Brujerismo, muita interação com o público que até passou um “cigarro” pra Juan Brujo (vocal) quando ele pediu. Ele fumou, passou pra banda e o dito cujo acabou chegando pras garotas que tinham sido chamadas à subirem ao palco e por isso, também na minha mão! Ahhaha Explico: àquela altura do campeonato eu tinha saído do camarote e me embrenhado no meio da galera pra curtir um pouco os últimos minutos do festival e acabei indo pro palco com as minas.
Depois disso foi difícil tirar o povo do palco pra finalizar o show, mas rolou sem maiores transtornos. Apertei a mão do Brujo, dei um beso nele e desci nem me lembro como. Sei que por volta de 22h30 quando as curtinas se fecharam ao som de Marijuana, a provocativa e brisada versão de Macarena! Tava todo mundo suado, moído, com sede e satisfeito pra caralho!!! Que dia! Que festival, senhoras e senhores!
[nota do editor] A menininha mencionada é a Valetina, filha do nosso querido ruivo, Rodolfo Marga.
A volta…
Comprei minha primeira latinha de cerveja do fim de semana inteiro, caminhei até o metrô com o Mateus, nos despedimos e fui até o estacionamento ao lado do Terminal Tietê pra pegar o busão de volta para o Hell de Janeura. Estava pilhadaça, embora cansada. Entrei com duas latinhas enrustidas no busão (ninguém manda em mim, carai) e ainda na adrenalina fiquei conversando com o estranho ao meu lado que por coincidência era músico mas por ser do samba e da MPB ficou meio surpreso com as coisas que eu contava sobre socos, empurrões, patos, riffs, chuva de cerveja, garotas esbugalhando os olhos e todas essas coisas bonitas que a gente gosta. Hahahaha Acordei 5h da manhã, à tempo de passar em casa para um chuveirada, pegar minha bike e ir pra escola em que trabalho. Que bate e volta de respeito, como o disse o Maurício Martins. Viva o Metal! Viva o Kool Metal Fest!