
Fugindo um pouco do que apresentamos até agora, desta vez a coluna “Os 10 Álbuns” recebeu indicações de duas mulheres, musicistas, agitadoras culturais e zineiras.
Parceiras musicais na banda Gaspacho, Eliza Möller e Juliana Trevisan levam o DIY para além das composições do recém lançado single ‘Pandemônio’. A banda surgiu de um encontro virtual, a partir de um grupo num aplicativo de mensagem, influências e vivências em comum.
Tudo na Gaspacho dialoga com o conceito noventista Riot Girrrl, sabe. Desde o envolvimento das meninas em projetos independentes (vide os zines e a participação de ambas nos selos Pug Records e Rapadura Records), que eu vou contar um pouco mais agorinha.
Ouça aqui o single ‘Pandemônio’
A Eliza é idealizadora das zines ‘No Lost Girls’ e ‘Bula’, e é colaboradora no selo Pug Records. A zine ‘No Lost Girls’ surgiu da necessidade de escrever sobre as mulheres que ela não via em outras revistas. Contando em formado resumido sobre a trajetória de cada uma delas. A primeira aparição da publicação foi em 2017, num evento em Juiz de Fora promovido pela coletiva feminista Malditas.’Bula’ conta das experiências e questionamentos sobre o consumo das pílulas do dia seguinte. Além de também integrar uma das bandas mais legais do mundo e vocês deveriam conhecer (prometo trazer uma resenha massa sobre aqui em breve), a Olympia Tennis Club.
Juliana, faz parte da administração do selo Rapadura Records e incentivada pela companheira de som, iniciou os trabalhos com a zine Garotas No Ataque, que o foco é dar visibilidade para produção artística de mulheres bateristas e estreou com uma entrevista com Ana Zumpano, que foi sua instrutora de bateria no Ladies Rock Camp. Além da GNA publicou “Vazia/o Manifesto”, que traz vários textos e poemas escritos em momentos complicados, feitos de 2012 à 2018. É uma zine de exorcismo de coisas ruins e provoca uma identificação muito intensa com quem lê, pois a obra é uma “carne viva exposta e cutucada”, define a autora.
Pois então, depois dessa breve apresentação, fiquem com as indicações.
05 DISCOS LIZ:

01 – COLETANEA GIRLS ROCK CAMP 2016
Comprei essa coletânea na mão do Sesper, quando a gente foi vizinho de banquinha na Feira Plana de 2017. A coletânea é grunge e pesada, mas com algumas canções mais psicodélicas. Deb and the Mentals, Human Trash, The Biggs, Trash No Star e Traveling Wave completam os lados A e B. O lado A começa num clima mais de “esquenta”, e vira a chave em “Ficar Bem” do Trash no Star, garantindo aquele refrão que todo mundo vai cantar junto, “eu só quero ficar beeeem”, e fecha com “The Crow” do Travelling Wave, mais dançante e soturno, abrindo espaço para um lado B pesado. As guitarras ficam mais altas e as músicas agitadas, abrindo novamente com Deb and The Mentals, o caminho das músicas te leva a fazer um pogo em “Misses Digger” do TNS sozinha em casa, e depois brisar com a última do Traveling Wave, “This is not a Love Song”. A masterização na fita é diferente do que tem disponível online, parece que você está ouvindo mesmo ao vivo.
Música escolhida: Trash no Star – Ficar Bem

02 – COLETANEA “I STAYED UP ALL NIGHT LISTENING TO RECORDS”
Conheci essa coletânea por um post do André Medeiros (Top Surprise) no antigo blog que ele tinha com o Eduardo Bento (Pug Recs), o Last Splash. O sentimento que passa é que você tá ouvindo uma mixtape que uma amiga te deu com suas músicas favoritas. A primeira, “Alphabet Pirate”, se diferencia de todas as outras, com o verso mais louco que já ouvi: “I hope you get cancer”. Em seguida vem o Bill Fox, que foi uma grande descoberta pra mim, recomendo seu álbum Shelter From the Smoke, é muito Guided by Voices. Acho que outra coisa legal é que você consegue ir criando uma relação entre os artistas e entende um pouco dessa cena de Ohio. A Jenny Mae foi meu melhor achado da vida, lembra muito Breeders, vocais muito parecidos com o das irmãs Deal, mas com um espírito mais melancólico de quem toca em bares sujos e flerta com um piano bucólico. Escrevi sobre ela no No Lost Girls 2. A faixa “Bulemia Blues” do Mike Rap parece uma música que poderia ser do Kirk de Gilmore Girls, sendo apenas um homem fazendo sua narrativa com uma meia lua no fundo, aqueles tambores beatniks e um barulho de lava-jato. De modo geral, essa coletânea é uma das mais clássicas do indie rock norte americano e sintetiza o que eu entendo como lo-fi.
Músican Escolhida: Straight to Neil – Earnest

03 – EP ADIVINHAR O FUTURO DAS ESTRELAS – SERENO
Essa fita foi meu primeiro contato com os meninos de São Gonçalo, trocando email com o Vinícios pra conseguir comprar a fita, já que o bandcamp só aceitava vender pra gringo. Os riffs vão dando os tons ao longo das músicas, alguns me lembram Yes, mas um Yes menos progressivo e mais Dinosaur Jr. A favorita é “Se Tudo Der Errado”, o refrão “nuvens de fumaça iluminadas de vermelho acima das nossas cabeças, uma banda de noise com garotas tocando três acordes sobre tudo dar errado” sempre me faz sonhar rs, me lembra a letra de “vista seu coração na manga (casiodrone)” do breakup suit, mesmas cores e imagens parecidas.
Música escolhida: Se Tudo Der Errado

04 – EP SHOWER CURTAIN – MARIPOSA/ SHOWER CURTAIN
São duas propostas de produção diferentes, a primeira é inquestionavelmente lo-fi, a segunda mantém um pouco da confortável pegada caseira, mas não parece que você está no quarto da Victoria assistindo ela tocar. No segundo EP — o “Shower Curtain”, as quatro faixas tem praticamente a mesma duração, é muito redondo! Continua com a mesma pegada bedroom pop, as letras são todas em inglês e falam de uma Victoria mais decidida, que está esperando o seu “time to kill”. O primeiro carrega um valor sentimental pra mim, os erros que você não sabe se são propositais deixam tudo despretensioso, composto apenas em voz, violão e um esporádico teclado. Mariposa é a minha favorita, fala de coisas que te perturbam, como um inseto que entrou no seu quarto a noite e não te deixa dormir. Me lembra a coletânea de demos da Dear Nora.
Música escolhida: EP Mariposa – Mariposa

05 – EP 1982 4 PIECE DEMO – STRAWBERRY SWITCHBLADE
Essas 3 faixas valem mais que o disco dessa dupla escocesa. A mais famosa, Trees and Flowers, que também é a minha favorita, tem uma vibe meio The Sound of Silence na versão do Simon and Garfunkel, sendo soturna e meio fantasmagórica, ainda assim, traz uma atmosfera post-punk no baixo. As letras de Go Away e Trees and Flowers trazem uma mistura de tristeza e raiva, com ódio do mundo e o sentimento de incompreensão, enquanto Spanish Song traz aquela inocência que a gente vê nas letras do Beat Happening, minha banda favorita. Não posso deixar de falar do visual, o vestido de bolinhas, ou o estilo POLKA DOTS PUNK, como explica Sam Knee, é maravilhoso. Ao mesmo tempo que é algo meio boneca de porcelana, tem o delineado da Siouxsie nos olhos e uma estética creepy pelo exagero, é tudo pra mim, vou costurar um look desses um dia.
Música escolhida: Trees and Flowers
05 DISCOS JU:

01 – Bikini Kill – Reject all american
Bikini Kill é uma banda que me impressiona tanto que cheguei até a fazer iniciação científica na faculdade sobre a representação do feminino nas músicas. Esse disco traz um dos meus trechos favoritos: “Estamos transformando letras cursivas em facas”. Mesmo que algumas músicas aqui sejam mais “tranquilas” comparando com álbuns anteriores, o impacto visual das performances aliado as letras criam uma potente atmosfera que me faz sentir a real possibilidade da revolução feminista.
Música escolhida: Bloody Ice Cream

02 – Sonic youth – Sister
O momento em que eu decidi ouvir a discografia toda do Sonic Youth foi um divisor de águas pros meus ouvidos. A barulhada que percorre os álbuns e a diferença que o Steve Shelley faz pra banda ficam bastante marcados em Sister, que caminha de um noise quase harmonioso até um post punk dançante. O vocal da Kim é precioso e preciso sempre que entra em algum música.
Música escolhida: Catholic Block

03 – In Venus – Ruína
In Venus provavelmente é a banda responsável por eu ter decidido tocar bateria. Em 2017, quando elas vieram pra Minas, Patrícia me mandou uma mensagem pra saber se a gente da Rapadura Records podia produzir um rolê delas aqui em SJDR e conseguimos marcar junto com o show de lançamento do EP da Remédio Sem Causa, Sobre a Sociedade. Quando vi a Camila tocando decidi que era isso o que eu queria fazer. O show foi incrível, a vibe da performance do CD ao vivo era exatamente como eu imaginava: um post punk dark e riot ao mesmo tempo, agressivo mas completamente imersivo. É aquela música que você pode ouvir de olhinho fechado curtindo ou de punho cerrado andando na rua sozinha.
Música escolhida: Inverno da Alma

04 – Bertha Lutz – Minha resistência é Minha revolução
Esse EP foi comprado na primeira vez que participei do Ladies Rock Camp, em 2018. Foi quando eu diria que conheci o real mundo das mulheres do rock e do punk nacional e me aproximei muito de várias delas, inclusive da Rafa e da Gabi, que estavam lá com o mersh da Bertha. Eu não conhecia a banda antes de comprar o EP e a camiseta, só sabia que queria apoiar o máximo de mulheres que eu conhecesse. Esse som é essencial pra falar sobre branquitude e sobre liberdade. São músicas pra ouvir batendo cabeça mas também pra digerir pensando profundamente.
Música escolhida: Não passarão

05 – Remédio sem Causa – Sobre a sociedade
A primeira vez que a gente participa de uma música a gente nunca esquece né? Minha voz tá ali na primeira faixa gritando indignada situações de violência contra a mulher. Esse EP é da banda que me inseriu no punk em São João del-Rei e muito do que eu escuto hoje vem com alguma influência deles. O som é um punk hardcore com referências à Dead Kennedys, Hüsker Dü e Garage Fuzz, cheio de letras críticas e ácidas.
Música escolhida: Guerra Fria Pós-Moderna
Ouça a Playlist dos 10 Álbuns: