
Hardcore e RAP sempre estiveram ligados à contestação social e, dessa identificação, surgiu uma parceria entre o rapper Yannick Hara e Rodrigo Lima, do Dead Fish. A música “Lágrimas na chuva”, inspirada na cena final do clássico filme Blade Runner, é um dos singles do próximo álbum do rapper de São Paulo, que começou a fazer música na igreja aos 15 anos de idade.
“Eu sempre quis ser DJ e tive uma oportunidade de entrar em um grupo de RAP gospel chamado Fase Terminal, lá no bairro de Vila Moraes, zona Sul de São Paulo. Num ensaio do grupo, um dos integrantes não conseguia executar a rima escrita pelo líder do grupo e após incessantes tentativas, acabei decorando a rima e falei, em tom de brincadeira, “pô mano, até eu já decorei essa parte”. Então um dos integrantes falou “Yan, faz você essa rima aí”. Eu consegui cantar o verso e, naquele momento, decidiram que eu não seria mais o DJ, o que foi surreal. Após diversas apresentações com esse grupo, fui pegando gosto pela parada e lembro de assistir diversos vídeos, na época em VHS, só para ver a performance dos MCs e fazer igual. Assim, fui desenvolvendo não só a performance, como também a escrita. Minha primeira letra se chamava ‘Jesus, o caminho perfeito’ e eu cantava essa música na instrumental de ‘Manchild’, do Shyhein, um rapper norte-americano”, diz.
Apesar de só começar aos 15, a identificação com o RAP já vinha desde os 12 anos, mas Yannick também foi muito influenciado pelo rock. “Eu ouvia muito rock’n roll por influência da família. Do meu irmão ouvia desde Guns’n Roses até Stone Temple Pilots, do meu pai era muito Living Colors e Jethro Tull, e da minha mãe, Beatles. No punk, a minha grande influência eram Os Inocentes, pois o Clemente é amigo do meu pai e já fez música comigo. Mas na escola, eu tinha um amigo chamado Luis Carlos, que um dia me mostrou uma fita K7 dos Racionais MCs, com as músicas ‘Pânico na Zona Sul’, ‘Tempos Difíceis’ e ‘Voz Ativa’. Me apaixonei na hora por aquilo e lembro de ter pensado em como era possível relatar uma situação em forma de rima e de me identificar com as questões por ser filho de pai negro e ter uma família negra”.
Sobre a parceria com o vocalista do Dead Fish, Yannick conta que ela se deu de uma forma interessante e surgiu em um lugar bem apropriado para dois artistas contestadores se encontrarem. “Eu estava num protesto com o Dieguito Reis (Vivendo do Ócio) quando encontrei o Rodrigo no meio do povo e fiquei admirado dele estar ali. Fui falar com ele, trocamos ideia, pedi pra tirar foto e recebi dele um enorme carinho. Ali eu desmistifiquei a visão que tinha dele. Eu conhecia Dead Fish, da MTV, sabia do tamanho da banda e tinha um preconceito com vocalistas de bandas de rock que tinham enorme exposição na mídia, pura ignorância minha. Dias depois, enquanto eu já estava no processo criativo do disco, achei essa foto com ele no meu celular e pensei ‘Será que ele já fez alguma participação em algum RAP?’. Procurei na internet e não achei nada, mas fiquei cismado com aquilo. Decidi procurá-lo no Instagram e mandei uma mensagem perguntando, mas nem achava que ele iria me responder. Então ele respondeu e ficamos conversando sobre”, explica Yannick sobre o início da parceria.
“De forma bem natural, falei pra ele sobre esse som, que se chamaria ‘Lágrimas na Chuva’, das referências da trilha e da cena final de Blade Runner e o Rodrigo pirou. Ele até me falou que gostava muito dessas referências de filmes em músicas, citando ‘Old Boy’ [música do Dead Fish inspirada no mangá e filme de mesmo nome]”.

A partir dali, a identificação entre os dois só aumentou e a faixa nasceu. “Nos encontramos meses depois na casa dele. Ele escreveu a letra e fizemos juntos alguns acertos. No dia seguinte, gravamos a música. Foi uma das maiores experiências da minha carreira. Quando o Clemente gravou comigo tive essa mesma sensação boa de ver artistas consagrados se darem, e me darem, a oportunidade de expandir as mentes em prol exclusivamente da arte. Não teve dinheiro e gravadora envolvidos, só identificação e empatia”.
Além de “Lágrimas na Chuva”, o disco O Caçador de Androides, como o próprio nome explicita, é recheado de outras músicas inspiradas no livro de Phillip K. Dick, Androides Sonham com Ovelhas Elétricas, que originou os filmes Blade Runner, de Ridley Scott, e Blade Runner 2049, de Denis Villeneuve. O álbum, que será disponibilizado no dia 19 de novembro no Youtube e, dia 22 de novembro, em todas as plataformas digitais, terá 12 faixas, seis inéditas, como “O Prólogo e o Título”, com participação de Clemente, e seis que já estão disponíveis nas plataformas, como “Voight Kampff”, “Caótico/Distópico”, “A Ideal Mão de Obra Escrava” e mais duas que levam o nome do filme e do livro.
Sobre a importância dessa obra na sua formação como artista, Yannick é afirma: “A grande importância desse disco é denunciar esse momento em que vivemos sob a alta tecnologia e a baixa qualidade de vida. Não é aceitável você comprar um Iphone e se alimentar de miojo todos os dias. Vivemos hoje essa distopia tecnológica na qual todas as relações humanas são virtuais. O celular virou parte do nosso corpo, estamos totalmente compulsivos e obcecados pela tecnologia. Antes que me critiquem, é claro que a tecnologia é importantíssima, mas ela não pode ocupar o espaço do humano. Blade Runner, em 1982, foi totalmente incompreendido, mas por que hoje é um filme cultuado? Philip K. Dick teve uma visão desse futuro caótico, em que a tecnologia aniquilaria o homem, e aqui estamos à mercê de nossos tablets, celulares e Smart TVs, adictos da tecnologia. O cyberpunk é real, creio que a vida offline é uma opção a ser vista”.