Se você faz parte do grupo que ama futebol ou apenas curte assistir os jogos da Copa do Mundo, provavelmente ficou bastante decepcionado com o desempenho da seleção brasileira durante um dos maiores eventos esportivos do planeta realizado neste ano no Catar. Sim, a Copa do Mundo, que se encerra no próximo domingo (18), possui um número gigantesco de audiência e com projeções pela Fifa de que os mais de 60 jogos transmitidos pelo evento alcancem cerca de 5 bilhões de pessoas.
No Brasil, mesmo com a polarização política – junto com a apropriação da camisa amarela da seleção por grupos de extrema direita nos últimos anos – não houve força suficiente capaz de prejudicar o interesse e a torcida pelos representantes do país no futebol. Nem a realização de uma Copa do Mundo em um país que viola os direitos humanos interromperam o sonho do hexacampeonato do Brasil, porém a necessidade de se manifestar contra o reacionarismo crescente no país prevaleceu em muita gente.

Conversamos com o Fabio Mozine, proprietário da loja Läja Records, e com o Claudio Cox, da loja Peita Preta. Ambas as lojas trabalham com produtos relacionados à música, seja na venda de álbuns, acessórios ou roupas de bandas/artistas ou de artigos com temas políticos e ativismo.
Mozine, que atua também como baixista da banda Mukeka di Rato, aproveitou o momento da Copa para lançar a camiseta de modelo “Nem Todo Brasileiro Que Gosta de Futebol Gosta do Neymar”, na versão de cor amarela e que mostra o jogador Neymar sofrendo a fatídica falta que o tirou da Copa do Mundo de 2014 durante o segundo tempo de jogo do Brasil com a Colômbia nas quartas de final.

A camiseta, que para alguns pode ser considerada de mau gosto ou até mesmo de espírito antiesportivo, representa, para outros, uma manifestação contra a postura do jogador, um dos apoiadores do presidente Bolsonaro, responsável pela morte de quase 700 mil pessoas pela Covid-19 em todo o país devido a falta de ações contra a doença, além da propagação de remédios sem qualquer eficácia contra o coronavírus.
Nesse sentido, se nem o maior ídolo brasileiro no futebol foi capaz de se sensibilizar com a perda de diversas famílias, talvez seja razoável que não haja sensibilidade de parte da população com as dores e problemas do jogador. Neymar também manifestou publicamente apoio a reeleição de Bolsonaro, causando ainda mais revolta em diferentes públicos, tanto os que gostam de futebol quanto aqueles que não acompanham os jogos.
O músico Thiago Ones, da banda Wiseman, foi uma das pessoas incomodadas com o posicionamento do jogador e reforça a mensagem passada pelo craque de não se importar com os outros. “Neymar é um ótimo jogador, mas foi nascido e criado dentro de uma bolha de ignorância e alienação. Sendo assim, esperar qualquer posicionamento social, cultural ou mesmo político do eterno menino Ney é o mesmo que esperar nevar no deserto. Resumindo, Neymar é uma pessoa que olha apenas pra si”, disse.

Por isso, a versão da camiseta vendida pela Läja Records alcançou resultados até que inesperados. Mesmo sem divulgar números de vendas ou a receita obtida até o momento com o produto, Mozine destaca que esse foi um dos três maiores artigos vendidos pela Läja no mês anterior e durante a realização da Copa do Mundo. Ele destaca que as vendas “aumentaram brutalmente” e que aproveitou uma versão parecida da imagem, “requentou” o produto e “aproveitou o mote”.
Quando questionado se a camiseta era o maior sucesso da loja, Mozine citou que era “uma das top três”. Além dela, outros artigos envolvendo o tema da Copa estavam vendendo bastante. Recentemente a loja colocou em pré-venda artigos como camisetas e adesivos destacando a violência contra os direitos humanos no Catar. Com o título de “Fuck Qatar 22” e arte de Alexandre Kool, vemos uma caveira usando o véu islâmico e com sangue ao redor, referência ao nome de “Copa Sangrenta” usada para simbolizar a realização do evento no país.
O vermelho como bandeira e CBF Comunista
Já no caso da Peita Preta, o uso do vermelho no lugar do amarelo e mudanças dos símbolos nas camisetas que representam a torcida canarinho fizeram parte dos modelos disponibilizados pela loja de Claudio Cox, músico, DJ e integrante da banda Giallos. Segundo Cox, os modelos representaram cerca de 40% das vendas no período pré e durante Copa do Mundo. O que seria uma “zuera com os coxas”, como reforçou o músico, se tornou significativa e irá permanecer disponível na loja por tempo indeterminado mesmo com o fim do evento esportivo.
Os dois modelos usam como referência a própria camisa oficial da seleção brasileira de futebol, mas no caso da versão vermelha, que representa o posicionamento de esquerda, o símbolo da CBF do lado esquerdo recebeu “modificações”, além da inclusão do símbolo do comunismo no lado oposto. Já a camisa amarela, traz detalhes em verde na gola e manga e mantém os mesmos simbolismos utilizados na versão em vermelho.


A tática comercial de subverter produtos e artigos que poderiam ser considerados de viés político de direita ou de extrema direita não é algo novo. Outras lojas também criaram versões ou reforçaram o posicionamento político de esquerda nesse tipo de produto com o tema da Copa do Mundo. Em pesquisas na internet é possível encontrar diferentes produtos para pessoas que não querem ser confundidas ou para destacar as discordâncias com o atual modelo político e social do país, e usando o futebol como tema.
A Copa do Mundo pode ter sido um fracasso para a seleção brasileira após o término do jogo Brasil contra a Croácia, mas para algumas lojas como a Läja e Peita Preta, até que o resultado foi melhor do que o imaginado. Cabe agora a gente torcer (e fazer) por um país mais digno e com justiça social para todos. E sim, política e futebol podem se misturar.