
Por Raphael Sanz
A primeira vez que tive contato com o Brujeria foi num sebo da zona sul de São Paulo. Vi, lá atrás, em 2002, o Raza Odiada em CD e aquela capa me intrigou. A foto era de uma pessoa mascarada olhando feio para o horizonte com os dizeres em espanhol. Aquilo me despertou uma curiosidade imensa no auge da adolescência e fiquei namorando aquele CD por alguns meses até comprá-lo.
O diálogo que abre o disco é brutal, antecipa muito do discurso do atual presidente eleito dos EUA na voz de outro político (que acaba fuzilado pela banda) e o que se segue em termos de disco, bem, vocês provavelmente já conhecem: aquela coisa brutal, cantada em espanhol por filhos de mexicanos residentes nos EUA, trazendo como temática além das vivências duras deles por lá como problemas com a Patrulha Fronteiriça, um verdadeiro grupo de caçadores de humanos, satanismo e narcotráfico de velha guarda, estilo Pablo Escobar – ainda falam do restante da América Latina.
Pois bem, quando anunciaram que a banda viria para São Paulo no último mês de maio, eu já tinha as férias do trampo marcadas e as passagens compradas para a Bolívia durante o mesmo mês. Meu primeiro impulso foi o de adiar as férias para ver a banda, mas isso ia dar muito trabalho (e custar uma grana que eu não tinha). Uma rápida pesquisa na internet me mostrou uma solução mais fácil: vê-los em Cochabamba, já que a turnê era pela América do Sul e não apenas pelo Brasil. E lá fui eu para as Missas Negras em Cochabamba.

Esto es Bolívia
O show foi organizado pela In Metal We Stand, um grupo local que organiza shows e eventos na cena da cidade boliviana. O ingresso foi vendido em diversos lugares da cidade, que não é nada grande se comparada com São Paulo. Estúdios de tatuagem, lojas de disco e de camisetas. Todas venderam os ingressos. O Salón Heroinas fica na avenida de mesmo nome, uma via central da cidade. Pelas ruas do entorno muita gente de preto, no melhor estilo boliviano, e era visível o tamanho da paixão que eles têm por isso tudo. Não gosto de comparações, é simplesmente diferente do que temos aqui. E é intenso, pode acreditar!

Gente de toda a Bolívia viajou para Cochabamba nos tradicionais buscama bolivianos. Especialmente pegando os ônibus da meia noite, já do lado de fora dos terminais, que são bem mais baratos. No albergue que estávamos hospedados chegou logo de manhã uma turma de Tarija, cidade do sul do país famosa por sua produção de vinho. Apenas dois ou três ainda moravam lá, a maioria tinha ido tentar a vida em Santa Cruz de la Sierra ou em La Paz, mas lá se encontraram. Alguns deles depois de anos sem se trombar. E é claro que levaram um carregamento de vinho. Y de otras cositas más…
Me ofereceram vinho – óbvio que aceitei. Nem olhei no relógio. Eram 8 da matina. Os caras eram muito gente fina; começamos a trocar ideia. Um tocava numa banda de death metal, o outro organizava shows em Tarija, todos ali eram envolvidos na cena e tavam tirando um lazer em Cochabamba naquele dia. Quando deram duas tarde, um dos rapazes pifou por causa do álcool. Vomitou até as hora, dormiu, e tudo o mais. Às 18h quando estávamos indo para o show, o cara cola em mim, como se tivesse sóbrio a uma semana, e fala: “lembra como eu tava? Hahaha esto es Bolívia!”

Cochabamba não é tão alto, não está no altiplano andino, e isso ajudou na resistência ao álcool. Estávamos vindo de Potosì, a mais de 4 mil metros de altitude em média e beber nesses lugares era uma tarefa realmente difícil. Isso particularmente me ajudou a fazer esse rolê, numa cidade não tão alta, a “apenas” 2 mil metros de altitude, bebendo desde as 8 da manhã.
Ao chegar na casa, cerca de 18h, ficamos um tempinho bebendo na fila, que estava grande, e acabamos perdendo o show do Hate, banda paceña (La Paz) e uma das que abriu o rolê. Mas conseguimos entrar a tempo de ver Mortofobia, banda de Cochabamba, e gravei esse som deles. Essas duas bandas são muito fodas, não vou ficar falando aqui do som deles, só digo que vale a pena ver esse vídeo do Mortofobia e pesquisar o som das bandas. Metal de primeira!

Missas Negras em Cochabamba
Foi uma experiência e tanto ver Brujeria tocar na Bolívia. Foi um sentimento muito louco de latino americanismo. Eu, um brasileiro maluco perdido no meio dos metaleiros bolivianos, um país que mantém forte sua raiz indígena, vendo os chicanos do Brujeria, que são mexicanos nascidos nos Estados Unidos. Mais que isso só se o Maradona ou o finado Fidel também estivessem na pista.
E a turnê dos caras era pra divulgar o novo disco da banda, Pocho Aztlan, que bate forte no então candidato e hoje presidente eleito dos EUA, Donald Trump. Uma forma de rebater todo o preconceito que este ser desprezível destila contra os mexicanos em especial, mas também contra toda América Latina.
Tive o trabalho de gravar três músicas, e tirei umas fotos, mas isso foi no início do show, depois fui curtir o som, que começou com duas músicas do bom e velho Raza Odiada. Os primeiros momentos já vieram com Pete Wilson. E depois de algumas outras pedradas, tocaram La Migra. Antes de desligar de vez a câmera e largar mão de registrar, ainda filmei outro clássico: Matando Gueros, e isso dá uma boa ideia do que foi o show. Só clicar.

Blues, rock´n roll e metal andino
Um dos caras que conheci nesse dia, o Jota de Tarija (também tem o Jota de Sucre, gente fina pra caralho) foi o meu grande guia da cena boliviana. Em conversas feitas ali no dia mesmo e posteriormente nas redes sociais, ele foi me apresentando uma par de bandas bolivianas pra lá de fodas. Não podia ser diferente, afinal o homem organiza shows em Tarija já faz uns bons anos, como este do cartaz abaixo, a BreFest (que também é um ótimo roteiro de pesquisa de boas bandas bolivianas):

Jota me mostrou uma porrada de bandas. De diversos estilos e vertentes. Todas bolivianíssimas. Fazendo um blues muito brisado e com letras muito críticas à sociedade e ao sistema, tem o La Chiva. Gostei muito das músicas que ele me apresentou dessa banda: Mercado – Devastación desenfrenada, Bella sinfonia e Pájaro metálico (versão do monstro argentino Pappo Napoletano) são músicas fodas pra caralho e vale a pena escutar. Eles também fizeram um rolê aqui no Brasil em 2015 e infelizmente eu ainda não conhecia a banda.
Entrando no Metal Andino, não podíamos deixar de falar das porradas do Nación, banda de La Paz com 12 anos de estrada que faz um som muito loco, misturando heavy metal com ritmos andinos e tocando nas letras em temáticas da ancestralidade Aymara e Quéchua, como em El Tio. Para quem não sabe, El Tio é o demônio que domina os subterrâneos andinos. Venerado pelos mineiros, recebe álcool potável e cigarros como oferendas em troca de sorte na busca pela hoje escassa prata dentro das minas. Sua representação, uma estátua de demônio com pau duro, normalmente se encontra logo na entrada das minas, forrada de garrafinhas de álcool e cigarros. Antagoniza com a Pacha Mama, senhora da natureza e da superfície. Outras músicas do Nación dignas de nota são Ser, do disco mais recente da banda e Nacido para odiar.
Outra banda animal de metal andino é a Armadura, de El Alto, simplesmente a cidade mais alta do mundo. Entre um monte de trabalhos autorais fodas, gostei muito de uma versão que fizeram de Águas Claras; do lendário grupo de música folclórica Kalamarka – com forte destaque para os vídeos de ambas versões, que mostram cenas que ilustram um pouco da ancestralidade boliviana e do dia-a-dia no Lago Titicaca.
Alma eterna, Bestial Holocaust e La Logia completam um belo quadro de bandas bolivianas de metal andino que valem a pena a pesquisa. E para finalizar este rolê no rock´n roll e metal bolivianos, deixo abaixo os links de dois CDs que o Jota de Tarija me presenteou. Porque afinal, viajar tem dessas coisas.
Perros Locos – Hasta el final
Lilith – From the deepest silence
E mais algumas fotos das Missas Negras: http://migre.me/vFqMs