Por Ana Zumpano (especialmente para o Nada Pop)
Desde muito cedo escolhi ir na contramão da sociedade, escolhi trabalhar com arte e, já faz pelo menos 10 anos, que estou na estrada.
Lembro da minha mãe me dizendo que eu era muito deslumbrada, ela dizia isso com um tom forte de preocupação e cuidado, eu não entendia muito bem o porquê aquilo poderia ser ruim.
Passei vários anos fazendo coisas que “não eram de meninas”, mas era isso que eu adorava, sendo bem sincera, eu nem me ligava em gêneros, meu pai me levava pra pescar, eu jogava bola com meus primos, brincava de casinha, fazia o que me despertava interesse, sem nunca ouvir de ninguém da minha família que isso ou aquilo não era coisa para menina, gênero não existia pra mim, tive sorte.
Até meus 24 anos sofri com relações abusivas, eu era muito expressiva e espontânea, meus namorados não gostavam da forma que eu me comportava e relacionava com os outros, sentiam ciúme excessivo, e me culpavam por isso. Todas vez que eu namorava, após alguns meses me via na mesma situação, sem amizades masculinas e muitas vezes também femininas, porque eu poderia obviamente me apaixonar por uma mulher também. Me isolava na maioria das vezes e ficava sem saber como escapar dessas relações. Já sofri violência, ameaça, e isso me consumia e me apagava aos poucos.
A relação com o teatro e a música sempre foi libertadora, era onde eu me encontrava e, é onde eu ainda me encontro. É nessas áreas que eu consigo me expressar melhor e ter mais entendimento da liberdade que também é integralmente minha e por muitos anos eu mal sabia. Sempre me senti livre, mas não era empoderada o suficiente pra lutar até o fim pelos meus direitos e, além disso, ajudar tantas outras mulheres que precisavam saber disso. A gente é julgada por ter estereótipo e por não ter também. Não me encarava muito como feminista, porque achava que eu não fazia o suficiente pela causa, enquanto na verdade fazia e muito, porque eu representava ali a vontade de várias mulheres de tocar em uma banda e se expressar artisticamente.
A gente cresce com muito medo de ser julgada, e a nossa criação nos ensina a julgar o tempo todo, inclusive a nós mesmas. Infelizmente fomos criadas para competir entre nós mulheres e já me vi em situações desnecessárias demais devido a força e informação que nos falta.
O problema é que a ficha demora a cair. É como um estalo, você começa a ser empoderada e, de repente, vem um estalo e te lembra de tanta coisa que você já passou e passa diariamente por ser uma mulher, o quanto já sofreu, omitiu e, tolerou sem saber muito bem como podia se defender. Quanto mais eu me informava, mais as fichas iam caindo, me lembrava das expressões dos abusadores, das cantadas nas ruas, dos abusos silenciosos, é muita cena de horror que a gente tinha apagado da memória por falta de acesso e entendimento do assunto.
A falta de acesso à cultura deixa as relações superficiais, acabamos não pensando nas nossas atitudes e na dos outros, ficamos moldados em hierarquias e gêneros.
Fui ouvir a palavra sororidade, poucos anos atrás, apesar de o conceito da sororidade estar fortemente presente no feminismo, eu não conhecia, e nem imaginava que isso fosse possível. A sororidade consiste no não julgamento prévio entre as próprias mulheres que, na maioria das vezes, ajudam a fortalecer estereótipos preconceituosos criados pela sociedade patriarcal e machista. “IRMANDADE”, só se sentir realmente livre, quando todas as mulheres forem livres.
Se a gente não tivesse se unido, sem essa ideia, não conseguiríamos impor nossas reivindicações. Somos nós mulheres que agimos no feminismo e, precisamos nos unir para sermos mais fortes. Sempre tive altos e baixos, fases em que estive muito desmotivada com a vida e com a arte, mas é em minhas próprias escolhas que me fortaleço. Faz uns 4 anos que comecei a tocar bateria em uma banda, antes eu era super amadora, mas agora tenho outra perspectiva, componho minhas linhas de batera na banda, componho músicas no violão, escrevo e, ajudo a produzir cada canção.
Todas as pessoas que eu toco hoje em dia (Lava Divers e Ocimoon) são muito democráticas, a relação é completamente horizontal, e pelo menos nesse espaço não me sinto julgada por ser mulher, estamos todos nós nos corrigindo o tempo inteiro em relação aos nossos preconceitos. Já sofri preconceito no meio musical, várias piadas péssimas e elogio distorcidos. Sempre tive menos crédito por ser mulher, “até que eu toco bem, mesmo sendo mulher”.
Esse ano passei por um momento incrível na minha vida, participei do Girls Rock Camp Brasil, e lá pude vivenciar de forma viva a necessidade de empoderamento, sororidade e ocupação dos espaços! Tudo lá era feito por mulheres, não existia “o cara do som”, era a mina do som, não tinha homem em nenhuma função, o que prova que no rock também não existe gênero. Falta mulher engenheira de som, empresária, produtora, falta mais mulher nesses espaços super machistas. Falta, mas já existem várias e, vivenciar isso de perto me deixou muito animada e bem mais forte.
O machismo está presente em vários campos da vida. Considero todas nós vencedoras só de tentarmos e lutarmos todos os dias. Eu estou sempre tentando, em qualquer área que eu me arrisco. Muitas vezes eu falho, mas aí vejo outras mulheres que tentam e conseguem vencer e, é como se assim eu vencesse também.
Eu faço o meu melhor, tento fazer de tudo para não me arrepender das minhas escolhas enquanto mulher e ser humano, se uma atitude minha é capaz de inspirar outra mulher a tentar, isso já me deixa feliz e forte o suficiente para ir mais além.