
A hipocrisia é um desajuste do que se fala com o que se faz, do que se demonstra com o que se é, de modo intencional. Tudo bem, desculpe pela dureza da chegada, já com uma definição à lá dicionário. Mas é que o tema pede esclarecimentos logo de cara.
Vivemos em uma época sem precedentes: a era da informação. Num primeiro momento o que nos vem é a imagem de bibliotecas digitalizadas, de notícias em tempo real, da total disponibilidade de obras científicas, artísticas e filosóficas, da inexistência de fronteiras e barreiras para o fluxo de informação sobre o mundo. Mas um tipo de informação que entra nesse time e que muitas vezes desdenhamos ou subjulgamos é a informação sobre nós. Nossas vidas, opiniões e ações estão cada vez mais escancaradas, e por vontade própria. O âmbito do privado, do íntimo, diminui a cada dia quando se torna possível agrupar informações suficientes para interpretar nossos gostos, preferências, posições políticas e costumes.
Mas disso tudo a gente já sabe, né?
Há controvérsias. Parece que uma galera ainda não percebeu que a tecnologia transformou o nosso convívio social, que o círculo onde reverbera nossas posições aumentou exponencialmente. O resultado disso é o escancaramento do desajuste entre o discurso e a ação. Ficam evidentes a ingenuidade e a hipocrisia. É nesse cenário que vêm sendo colocados em xeque os discursos de muita gente que se diz libertária e progressista no meio independente. O resultado? Posso dizer que as máscaras não estão aguentando a força da gravidade.
O cenário musical independente de São Paulo viveu quase uma hegemonia dos gêneros punk e hardcore até os anos 2000. Essas duas vertentes puxaram a música marginal paulistana até onde estamos. Tradicionalmente são estilos que trazem uma filosofia libertária, baseada nos ideais anarquistas e socialistas, na visão revolucionária do mundo. Bandas e zines levantaram e levantam questões importantes como a liberdade, a autogestão, os direitos humanos, direitos dos animais, a teoria queer e a igualdade de gênero. Sempre através da música e de todo o movimento cultural que a cerca.
Mas enquanto vivíamos em uma época analógica era fácil se dizer alinhado com essas questões e agir de maneira totalmente diferente. No entanto, agora sustentar o discurso e a aparência sem agir conforme o que se fala é uma tarefa quase impossível. Se por um lado podemos nos posicionar contra a homofobia, o machismo e o racismo com apenas um clique, por outro tal exposição abre canal de resposta para aqueles que enxergam qualquer discrepância entre o que a gente compartilha e o que a gente faz.
Todos os temas que citei acima e ainda muitos outros não são lutas recentes e de maneira nenhuma simples. Por isso é preciso tomar consciência da importância, história e relevância daquilo que se está defendendo publicamente. É necessária a desconstrução própria antes de tentar desconstruir a sociedade. É imprescindível internalizar essas questões antes de expor uma opinião. Porque o movimentos feministas, LGBTs e negro estão imersos há anos nessas questões e sentem o cheiro de oportunismo de longe. Não basta apoiar discursivamente, é preciso agir conforme o discurso.
É fácil? Claro que não. Mas é necessário. Abra os olhos, os ouvidos e a cabeça para se questionar e respirar fundo antes de emitir qualquer comentário. Afinal, você é o que está falando? Se você tiver qualquer dúvida, segure o ímpeto de participar a qualquer custo e tente estar à altura do discurso. É uma maneira de não pecar por ingenuidade. Já se o seu caso é hipocrisia, não sou eu quem precisa te dizer o que fazer.
Uma resposta
é duro, mano. é um tempo baita confuso. é hora de ouvir e aprender. calar, pra ouvir e aprender.