Agosto é mês da visibilidade lésbica e apesar do nosso portal ter acompanhado as mudanças no cenário independente e vem dando luz à produção de uma galera muito talentosa que têm rompido os padrões da música nacional, que até bem pouco tempo era predominantemente branca, masculina e banhada em privilégios, é sempre bom reforçar que a produção musical é bem mais ampla do que costumamos ver estampadas nas revistas e conteúdo online (ainda bem).
Tem sido uma delícia preparar esse editorial, (re)ver tanta mulher incrível. Fora a nossa lista lançada no inicio do mês e que será constantemente atualizada com as indicações que estão chegando nas redes sociais.
Dando mais um passo dentro do brejo, a gente quer muito que vocês conheçam a Thaís Catão. Preta, artista, farmacêutica, administradora de centro cultural, sapatão. Quantos rótulos, títulos e funções cabem dentro de uma mulher que dorme e acorda na “correria” pra cavar o seu lugar nesse mundo que não está lá muito afim de acolher pessoas como ela?
Thaís é guitarrista das bandas Tuíra, que lançou EP em Dezembro do ano passado (fizemos a resenha do lançamento que você pode ler aqui) e KinderWhores (vamos deixar um vídeo com uma palhinha de uma das apresentações delas). Toca também no projeto da musicista carioca Bel Baroni e participou das gravações do seu último disco “O Gole que Presta”.
É uma das administradoras do centro cultural MOTIM, na zona norte do Rio de Janeiro, que acolhe projetos voltados para a produção artística de mulheres e que por conta dos desdobramentos da pandemia lançou uma campanha para venda de produtos e serviços para se manter durante este período de isolamento social. Saiba mais sobre a campanha aqui.
Sofia Laureano preparou uma entrevista onde ela conta sobre suas origens e influências. Se liga:
Entrevista por Sofia Laureano
Queríamos começar a entrevista falando que somos muito suas fãs e “tamos“ com saudades de te ver nos palcos e na vida. Você já passou por algumas bandas aqui no Rio, e tá há mais tempo na Kinderwhores, certo? Como começou essa história de vocês?
Thaís – A Kinderwhores é a banda que toco a mais tempo, a história é bem fofa. Marcela e eu nos conhecemos na adolescência, fizemos amizade porque as duas gostavam de rock, começamos a tocar guitarra. O meu primo começou a tocar bateria e a gente ia pra casa da Marcela. Lá a gente tocava riot grrl, punk, que era o estilo de música em comum entre nós três. Depois, a Marcela trocou de colégio e conheceu a Bia, nossa baixista desde então. Depois de algumas mudanças de formação, estamos todos juntos. A gente só tomou coragem de fazer show em 2015, mas a banda já existe desde a minha adolescência, dos meus 15 anos. Comecei a tocar guitarra na Kinderwhores!

A gente te considera uma guitarrista brilhante, e queria saber mais quem são as suas influências?
Thaís – Como guitarrista, eu tenho a opinião de que mais do que ser virtuosa, ter muita técnica e saber muitas escalas e coisas assim, o mais importante é passar sua verdade no instrumento. Ter um riff, um solo, um jeito de tocar, uma pegada que seja sua e única. Nessa pegada, tem muita gente que não gosta do cara, mas eu gosto muito do Slash, sou muito fã desde que era criança. Foi o cara que me fez querer tocar guitarra. Os solos dele tão na memória de muita gente, são muito característicos, além da estética. Escolhi tocar o mesmo modelo de guitarra dele, uma Les Paul. Também curto muito o Chuck Berry, o Jimmy Hendrix, né que não tem nem comparação. Sou pirada no Carlos Santana! As guitarras dele são únicas, me inspiram muito! De minas, a minha maior influência, disparada é a Alisson, do The Donnas! Seus riffs e solos me inspiram demais. Quando vejo a evolução dela desde o início da banda, fico admirada pelo quanto ela evoluiu e é marcante. É isso que eu acho mais legal num guitarrista, e isso que essas cinco pessoas têm em comum: a identidade muito forte. Aqui do Brasil, sou muito fã da Josie Lucas, que é guitarrista e vocalista (HAYZ). Fiquei fã desde a época da Dominatrix. Por “n” fatores, tanto sonoro, quanto de representatividade mesmo. Curto muito seus riffs e acho que na Tuíra, que é a outra banda que toco, a gente desenvolveu uma sintonia sonora com o que ela faz. Das bandas atuais, o que tem de mais parecido de músicas que eu gosto de tirar e tocar, são as da banda Hayz.

Esse rock embranquecido, misógino, elitista pra cacete, não nos interessa. A gente quer o Rock que a gente criou e que temos o direito de fazer: o que é preto, feito por pessoas LGBTQ, por mulheres, que é feito na periferia
No festival Deixa o Rock Morrer, você além de tocar, cantou uma música e falou da origem preta do rock. Como foi a escolha de colocar essa música no repertório e como você se sentiu nessa performance?
Thaís – A única musica que canto com a Kinderwhores é Outsider, dos Ramones. Ela significa muito pra mim, sobre se sentir excluído, deslocado e sem fazer muita firula: ela vai direto ao ponto. É o que eu acho que falta no mundo, falar o que tem que ser falado, mandar aquele papo reto e com o dedo na ferida. A gente tem direito disso, de se expressar e não ser invisível. É por isso que gosto de cantar essa música, já cantei em outros shows. Mas acho que teve uma importância bacana naquele evento, porque a gente estava querendo falar sobre deixar o rock morrer, pra que ele volte a ser o que era: um estilo criado por negros, o Rock é Negro. E foi mais um estilo roubado, apropriado por brancos. Esse rock embranquecido, misógino, elitista pra cacete, não nos interessa. A gente quer o Rock que a gente criou e que temos o direito de fazer: o que é preto, feito por pessoas LGBTQ, por mulheres, que é feito na periferia, que não se resume em casas de show no centro e nas áreas com grana das cidades. Então era sobre isso que eu queria falar.
Você recentemente entrou para administração da Motim. Como tem sido esse trabalho?
Thaís – A Motim é um lugar que conheci frequentando, tanto pra assistir shows, tocar, participar de rodas de conversa, oficinas. E desde sempre, foi meu segundo lar! Eu me sentia acolhida, segura, respeitada. Assim que houve o convite para participar da administração da Motim eu tive que aceitar. O espaço e as pessoas que estão ali comigo na administração representam muito pra mim, representam o modelo de sociedade que eu acredito: ações coletivas em prol de um mundo mais seguro pra gente que é preto, mulher, LGBTQ. Então tá sendo uma experiência maravilhosa, conseguir fazer de uma forma concreta tudo aquilo que eu idealizava, que eu queria que existisse no mundo. Então tentamos fazer o melhor pra que todo mundo se sinta bem ali. É uma realização muito grande. Existem muitas dificuldades pra gente manter o espaço, a gente não tá lá pelo lucro. A gente tá lá lutando pelo que acredita, ainda mais nesses tempos em que tão tomando notoriedade tantas criaturas racistas, fascistas, machistas e escrotas, que trazem uma onda de opressão descarada e que abominam pessoas e espaços como o nosso. A gente sabe que é difícil bancar tudo isso, mas a gente acredita muito e não vai desistir.
O que deseja ver no futuro da cena sapatona no Rock?
Thaís – Eu adoro Rock, e espero que a cena aumente, tenha mais representatividade pra mulheres, pessoas LGBTQ, pessoas pretas. E não só isso, mas que o discurso, a prática, o espírito Rock’n roll, esteja vivo no coração das pessoas, aí ele vai alcançar periferia, alcançar tudo, deixar de ser esse clubinho que se tornou. O que eu torço é que esse rock feito por pessoas conservadoras, pessoas brancas de classe média, classe média alta, que se dizem hiper desconstruídas, mas não perdem uma oportunidade de serem racistas, elitistas, preconceituosas em geral, pra reforçarem opressões… Que esse rock delas desapareça, pra mim ele nem existe, ele nem é uma atitude Rock’n roll. Eu desejo que o espírito Rock’n roll renasça, reviva, tal como ele era nas suas raízes, e como ele ainda é para muitas pessoas por aí. Eu nunca vou desistir disso, espero que esse espírito Rock’n roll reine, e aumente.
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