
“Que eu me organizando posso desorganizar”
Como essa premissa que começamos mais esse bate-papo com duas pessoas envolvidas em uma ação pensada, organizada e realizada de forma totalmente independente. Bandas se juntaram e criaram um dos eventos mais bacanas logo de cara em 2015 e que promete alçar voos ainda maiores se depender da vontade e iniciativa de seus integrantes. Intitulado com a hashtag #showderua, o evento tem como objetivo juntar bandas, equipamentos e muito som em espaços públicos de São Paulo.
Realizado na Praça Marechal Deodoro, com shows neste primeiro momento das bandas Animal Fado, Penhasco e Chabad, e com organização dentro de um grupo no Facebook, os shows aconteceram no dia 25 de janeiro, dia do aniversário da cidade de São Paulo. Mas essas bandas não são ou foram as únicas a participarem do evento, com apoio de outras grupos, entre elas o Vapor, o projeto trouxe à tona um sentimento de coletividade e exemplo do que o entusiasmo, incentivado principalmente pelo Eduardo Santana, o Boqa, como é mais conhecido, são capazes de construir.
Mas isso não é uma exclusividade apenas de São Paulo, apesar que temos os exemplos do Test e da dupla Que Miras Chicón que levam seus equipamentos e shows para as ruas da cidade e do interior do Estado, mas podemos citar também a banda Beach Combers, do Rio de Janeiro, que também se apresenta à céu aberto.
Para falar de como foi essa primeira experiência e os resultados de tocar na Praça Marechal Deodoro, além dos próximos shows, conversamos com o Diogo Dias, da banda Vapor, e com o Boqa, da banda Penhasco. Eles deixam claro que não foram os únicos responsáveis pelo evento, mas que tudo foi feito em conjunto com outras pessoas. Confira o papo e esperamos que isso sirva de inspiração para várias outras bandas por aí. Todas as fotos utilizadas nesta matéria são de Erik Mosh Arts.

Entrevista Diogo Dias e Boqa (bandas Vapor e Penhasco)
NADA POP – No dia 25 de janeiro vocês organizaram um show de rua na Praça Marechal Deodoro, aqui em São Paulo. Quais bandas participaram, como foi a organização (de equipo, escolha do lugar e até escolha do dia) e quais foram os motivos que levaram vocês a levar um som sem paredes?
Diogo Dias: Acho que vou começar a responder pelo fim da pergunta. A motivação é levar o significado de independente ao pé da letra. Afinal, para tocar na rua, não dependemos de mais ninguém da nossa vontade e determinação. Duas palavras que se provaram muito importantes, porque sem elas, com certeza não se consegue fazer um corre como esse do último domingo.
A organização foi na base da união entre quem abraçou a ideia, que surgiu num grupo de Facebook criado para a troca de informações sobre os picos de São Paulo: o Lugares Ruins Para Bandas Horríveis. Lá a gente compartilha com outras bandas os lugares onde já tocamos, contando como foi a experiência e disponibilizando os contatos dessas casas. Ironicamente, foi de lá que saiu a ideia de aproveitar o data do aniversário de São Paulo. Assim, poderíamos aproveitar o fluxo de pessoas gerado pela programação oficial e atingir mais gente pela música independente. O mesmo critério nos fez optar pela Praça Marechal Deodoro, que estava recebendo um evento organizado pelo pessoal que defende o Parque Minhocão.
Quanto ao equipamento, foi um catadão com as bandas e amigos que tiveram a disposição e um coração enorme de nos emprestar, gerador, no break, tenda, nos dar carona, ajudar a montar e desmontar e o melhor de tudo, de prestigiar quem tocou. E a escolha das bandas, na verdade não foi uma escolha. Os músicos que estavam no grupo que citei anteriormente foram se prontificando, outros com dificuldades de agenda não puderam tocar e assim a coisa foi se peneirando sozinha. No fim tivemos shows incríveis do Penhasco, Animal Fado e do Chabad.
Boqa: Inclusive vale mencionar aqui nosso agradecimento ao MondoCão Filmes (Nenê e Allan), Howlin’ Records, Estúdio Subway (Erick do Blear), Guitar Talks (Maddu, Afram e Carol Maia) e a Ciça, do Gomalakka. Sem essas pessoas e sua disposição em ajudar não teríamos realizado essa intervenção.
NADA POP – Falando nisso, como foi a recepção do público no local do show? O que mais chamou a atenção de vocês? Tiveram problemas com a polícia, prefeitura? Aliás, chegaram a ter algum receio que problemas de autorização pudessem atrapalhar o show?
Diogo Dias: O público foi surpreendente. Passaram por lá, jovens, crianças, idosos, moradores de rua, enfim, todo o tipo de gente. Tocar na rua é isso. É pra todo mundo. É incrível como a música atrai as pessoas. E a escolha do local se provou um acerto, já que muita gente assistiu as apresentações de cima do Minhocão mesmo.
Não tivemos problemas com polícia ou qualquer órgão oficial. Apenas um pequeno contratempo com o pessoal do evento do Minhocão que nos pediu educadamente para dar uma pausa enquanto um grupo de música clássica se apresentava, porque nosso som estava prejudicando os músicos lá de cima.
Esperamos 45 minutos e voltamos para encerrar a intervenção com o Chabad, que mesmo com essa pausa, teve um público bem legal assistindo ao show, inclusive indo lá parabenizá-los depois da última música.
Boqa: Quando organizamos um show em praça pública, a polícia ou qualquer outra autoridade não pode nos impedir por qualquer motivo, pois não estávamos obstruindo passagem de pedestres ou automóveis, caso fosse realizado numa calçada ou meio da rua. Eles até colaram, mas para atender um outro chamado. É necessário que nós, insatisfeitos com os rumos que o “cenário independente” está tomando, não tenhamos limites e estudemos com base na ação direta formas diversas de aproveitar toda a oportunidade de soar nossa música ao maior número de pessoas. Chega de rezar missa pra padre nessa cidade!
Aliás, faz uma grande diferença ir pra casa lembrando da menina de 7 ou 8 anos que chegou acompanhada pelo pai e começou a bangear a cabeça no teu som ou lembrar do cara com filho pequeno que também que veio perguntar como faz pra ouvir o Chabad e dos próximos shows. Se encontrarmos na música realmente uma missão (além da terapia) penso que isso se dá ao fato de mudar a vida das pessoas que não conhecemos. E se estamos nessas intervenções apresentando algo que pode trazer algum bem para estas, nem que seja por uns minutos, já saímos vitoriosos.

NADA POP – Muitas bandas, não só de São Paulo, estão se organizando e se apresentando em espaços a céu aberto. Para vocês, quais foram os principais pontos positivos em tocar num espaço público? Já estão armando outra ação dessas, para quando?
Diogo Dias: O ponto positivo é poder mostrar a música independente para todo o tipo de público. Para pessoas que nem sequer sabiam que existiam bandas de qualidade fazendo música autoral por aí. É uma forma incrível de se comunicar com esse público de coração aberto e sem os vícios musicais que às vezes até nós temos.
Enquanto desmontávamos as tralhas todas, a galera sugeriu de fazer uma próxima intervenção na Praça Pôr do Sol e também em algum lugar da periferia. Acho importante continuar fazendo.
Boqa: Dia 7 de Março na Praça Pôr do Sol as bandas Poltergat, Vapor, Blear e Twinpine(s) irão cantar de óculos de sol e abraçar árvores. Depois vamos procurar alguma favela pra levar roque pauleira ou swingado e até contatar uns artistas de rap também.
NADA POP – Bandas, apoio e quem mais puder, quiser ou tiver interesse em contribuir e participar desse projeto de vocês, como faz?
Diogo Dias: Basta procurar o nosso grupo lá no Facebook – Lugares Ruins Para Bandas Horríveis – e trocar ideia com quem tá lá. Isso que rolou domingo foi uma mobilização coletiva, não fui eu, ou o fulano ou siclano que organizamos essa intervenção. Foram todos que participaram e ajudaram de maneira espontânea. Aliás, tem muita gente boa lá, vale a pena bater um papo com a galera.
Boqa: Você é bem-vindo se não for cusão naipe o dono do Astronete.

NADA POP – “Underground é para poucos”, dialoguem sobre essa frase, por favor. Concordam ou não, e por qual motivo?
Diogo Dias: Depende de que perspectiva a gente está falando. Eu, particularmente, gostaria que o underground fosse para muitos. Que a música independente chegasse no maior número de pessoal possível. Que a gente pudesse dialogar com um público maior. Nesse sentido, acho que ele não deveria ser para poucos.
Mas se estivermos falando de quem produz… Ai sim, acho que é para poucos. Não porque penso de maneira segregadora, mas porque as dificuldades imposta pela realidade do underground não são nada fáceis de superar. Falar de longe que não existe cena, que as bandas deveriam se dedicar mais, que não há união é muito fácil. O difícil é fazer alguma coisa pra mudar. E o que tenho pra dizer é: Isso tudo que dizem não existir, existe sim. Ontem foi uma prova disso. Houve união, bandas extraordinárias e muita dedicação. Talvez o problema seja esses nossos vícios que nos levam a crer que há um mundo ideal inalcançável para o underground. Mas na realidade o que há é muito trabalho. Nesse sentido, infelizmente, ele é para poucos.
Boqa: O underground pode ser para muitos tanto quem produz como pra quem consome, mas hoje é para poucos mesmo nas duas óticas e não sabemos exatamente como mudar esse cenário. Como vai ser positivo um cenário de rock “udígrudi” feito por eleitores do PSDB (favoráveis à pena de morte, anti cotas, pró redução da maioridade penal para 16 anos, midiatizados, cheios de preconceito, etc etc etc)? Tem gola V pra dar e vender e tem gente focada em lucrar ou aparecer. E não um lucrar apenas relacionado ao capital, mas pisar numas cabeças também. Aquele senso de mais valia ou tipo “minha banda é mais foda que a sua” e toda esse senso de competitividade babaca digno de uma classe invejavelmente “vitoriosa”. Quem persiste é quem resiste à tudo isso!