Entrevista por Adriano Stevenson, da banda Rotten Flies
Algumas palavras costumam resumir situações que necessitam de uma analogia para melhor entendimento. “Nadar contra a maré” são algumas palavras que definem bem o contexto de quem abraçou um movimento que atravessou mares, ganhou força em uma embarcação e retornou como um míssil para quebrar (pelo menos rachar) e contestar todos os sistemas impostos e opressores do planeta: o Punk. Agora, imagine, todo esse poder de fogo em pessoas com adrenalina a mil e querendo gritar a plenos pulmões que o estabilishment precisa ruir. E o mais fantástico e espantoso, ao mesmo tempo, é constatar que cada palavra escrita ainda vale ser gritada, esbravejada e cantada com indignação e repúdio em O Espelho dos Deuses e no Terror das Ruas. Com vocês, a voz de Luiz Nino e seu Câmbio Negro HC.
NADA POP – O que você pode contar dos anos 80/90: as influências que vocês tinham, e a produção que vocês faziam?
LUIZ NINO – Os anos 80 e 90 (sobretudo nos anos 80) as coisas eram bem difíceis. Absolutamente não havia qualquer espaço para som pesado. Ninguém tinha ideia do que era Punk Rock e não simpatizava em criar oportunidades pra essas propostas. A alternativa que nos sobrava era fazer por nossa conta, então, buscamos isso.
Havia um bar em Recife que era um espaço bem underground e prestes a fechar, então conversei com o proprietário e mostrei que o Câmbio Negro era uma banda que se identificava com o lugar e acertamos um show. Por alguma razão o bar ficou cheio no dia. Descobrimos que haviam pessoas que se interessavam não apenas pelo rock´n´roll, mas pela música que não tocava nas programações das rádios. Esta foi uma outra proposta nossa para ‘viabilizar’ aquela informação a mais pessoas. Fazer chegar isso para que, ao menos, alguém soubesse o que estava acontecendo em Recife e conseguimos um programa só de Punk Rock numa rádio local.

Paralelamente, editamos o primeiro fanzine, o SOS PUNK e logo em seguida, o REATOR, em 1983 e 1984 respectivamente. Ensaiávamos muito e as gigs eram bem organizadas, mesmo dentro das nossas limitações de produção e acabou que fomos tocando bastante e mais e mais pessoas se aproximando pra curtir e acompanhar a banda. Naquela época ouvíamos muitas coisas e como tudo era difícil conseguir, então, tudo que pegávamos compartilhávamos com a moçada.
As bandas eram aquelas que no Brasil se tinha acesso e talvez DISCHARGE com a que mais nos entusiasmava. Fazíamos também, como todos, um grande intercâmbio via cartas, trocávamos fanzines, sons (fita k7) e discos. Participei de muitas palestras, basicamente um trabalho no corpo a corpo, e todos os espaços que surgiam eram muito bem aproveitados.
NADA POP – “O Espelho dos Deuses” foi lançado em 1990. Tornou-se um marco para o nordeste, sendo a primeira banda punk/HC a lançar um LP na região, acredito que as dificuldades foram imensas, perrengues e outras cositas. Conte-as.
LUIZ NINO – O ano de 1990 foi o início de colher os frutos. Estávamos na melhor época no aspecto de shows. As oportunidades nos chegavam com menos dificuldades e os produtores sabiam que levávamos uma quantidade bem razoável de público e tudo isso nos beneficiou. Mesmo assim, produzir um disco era ainda missão difícil e produzir para uma banda do Nordeste, mais ainda. Sabíamos disso! Então, resolvemos fazer sozinhos. O “faça você mesmo” era pra nós, não só uma proposta, mas uma necessidade (risos), então, não tínhamos outra escolha.
Fizemos e esse disco nos levou a outros caminhos, marcou uma época, representou absolutamente o espírito do Câmbio Negro HC. O que estávamos falando naquelas músicas atingiu muito mais gente, e mostrou que uma banda do Nordeste do país poderia participar de produções maiores.
NADA POP – Em que momento você teve consciência que “O Espelho dos Deuses” estava fazendo história?
LUIZ NINO – Quando o público cantava em peso nossas músicas, quando as pessoas se entusiasmavam e quando esse disco passou a fazer parte da história de vida para muitos. A influência desse disco foi realmente grande.
NADA POP – O que existe hoje no punk que difere da época do lançamento do “O Espelho dos Deuses”?
LUIZ NINO – Acho que o Punk é um movimento que as pessoas de fora não compreendem de fato. E isto, obviamente é um dificultador, assim como era em outras épocas. Mas, atualmente, tudo parece muito mais fácil pra todo mundo. As informações chegam na velocidade da luz (risos).
É possível se gravar com bastante facilidade, os recursos são mais baratos e melhores do que antes, o que faz com que o som se aproxime o máximo do que o que a banda quer mostrar. Além disso, o resultado pode ser disponibilizado imediatamente em algum canal de música, o que obviamente chega a muito mais pessoas com muito mais rapidez e muito mais eficiência, o que torna a vida das bandas muito mais fácil, sem esquecer, claro, dos e-mails, das redes sociais, enfim, de todo um leque de opções que a internet disponibiliza até gratuitamente.
Naturalmente, as “facilidades” têm seu lado negro e tudo que é fácil demais é, muitas vezes, descartável, então, na minha opinião cabe às bandas se utilizar da internet e não ser usado por ela.

NADA POP – Você era o organizador do Festival “Encontro Anti-Nuclear”, que reunia bandas do Norte/Nordeste. Se hoje já dá um trabalho enorme fazer um festival, imagino que devia ser difícil lá trás. Já pensou em voltar a produzi-lo?
LUIZ NINO – Verdade, dava muito trabalho, mas muito prazer também. Aquele festival era a cara do Punk da nossa época. Há um tempo pensei em produzir mais um, mas não encontrei tanta unidade e me desmotivei. Hoje, tenho muita vontade de reunir algumas bandas do Nordeste e fazer outro festival, mas com outra estrutura e outro nome.
NADA POP – Em 1993 vocês gravam “Terror nas Ruas”. A qualidade sonora é, de cara, superior ao disco anterior. Nesse período entre as gravações vocês aprimoraram a sonoridade da banda e consequentemente o produto final. O que mudou na banda e na forma de gravar em estúdio?
LUIZ NINO – O “TERROR NAS RUAS” gravamos no mesmo estúdio e a produção técnica fizemos com Redson (CÓLERA), apenas, dessa vez, microfonamos a guitarra e usamos um cabeçote e gabinete MARSHALL JCM 900, diferentemente do “O ESPELHO DOS DEUSES” que, por pura falta de opção gravamos em linha. Esta foi, tecnicamente, a única diferença. Enquanto sonoridade, o Terror nas Ruas não foi um disco tão cru e direto como o anterior, mas foi da mesma forma verdadeiro.
NADA POP – As letras da CNHC são contestatórias e permanecem bastante atuais. Bandas de gerações posteriores continuam abordando os mesmos temas até hoje. O que você pensa a respeito disso?
LUIZ NINO – As letras do Câmbio Negro são atuais porque os problemas perduram. A Amazônia continua sendo devastada, a mentira continua sendo a base de um governo que não respeita o próprio povo, direitos constitucionais são jogados no ralo, sobretudo, com relação aos mais pobres, o comércio da fé é prática cada vez mais comum, só para dar alguns exemplos.
NADA POP – Como está o percurso da Câmbio Negro? Parou e voltou no Abril Pro Rock de 2015 ou nunca parou?
LUIZ NINO – O Câmbio Negro havia parado. Em seguida, voltamos e no ano seguinte fomos chamados pra participar novamente do ABRIL PRO ROCK. Seria uma boa oportunidade de voltar aos palcos, comemorando os 25 anos do lançamento do “O ESPELHO DOS DEUSES” e com grande som e estrutura.
NADA POP – Quais são os planos da Câmbio Negro HC a curto/médio prazo? Músicas novas?
LUIZ NINO – Vamos novamente mexer na formação da banda. Isto é certo. O CÂMBIO NEGRO não terá o mesmo pessoal que tocou no APR 2015. Nesse meio tempo ando compondo algumas coisas novas. Uma dessas músicas chegamos a lançar no APR 2015, chama “DESTRÓI”. Outras ainda estão sendo feitas e estou bem entusiasmado com esses novos sons. A idéia é fazer um novo disco de inéditas e fazer alguns shows. Vamos aguardar o desenrolar das coisas.
NADA POP – Esse ano sairá um tributo com bandas do Brasil tocando o “Reflexo do Espelho”. Qual o legado que esse disco e a Câmbio Negro deixam?
LUIZ NINO – O “REFLEXO DO ESPELHO” marca o reconhecimento pleno do “O ESPELHO DOS DEUSES” e do CÂMBIO NEGRO HC e nada poderia ser mais honrado pra mim. As bandas que estão presentes nessa nova produção mantém uma chama acesa em 1990 e que representa seus anseios, suas iras, seu oxigênio e sua combustão, portanto, “O Reflexo do espelho” é nada mais que o reflexo delas próprias, bandas excelentes e que representam muito bem a nossa cena e fazem uma nova história! É preciso dizer também que o “Reflexo do Espelho” fecha um ciclo no mesmo instante que abre outro e este disco já nasce fincando definitivamente o seu nome e o nome das bandas no cenário brasileiro. É, sem dúvida, um dos discos mais importantes da minha vida.
Acesse o blog do Câmbio Negro HC: http://cambionegrohc.blogspot.com.br/
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Uma resposta
UMA VERDADEIRA LENDA , UM COLOSSO , LONGA VIDA AO CAMBIO NEGRO HC E QUE O DIACO NOVO SAIA PRA DAR CONTINUIDADE E MOSTRAR COKO SE FAZ HARDCORE