Como toda lenda do underground que se preze, nosso entrevistado da vez se divide entre várias atividades. Ora baixista, ora guitarrista, dono de selo, produtor musical, tour manager, roadie…

Muito procurado pelas bandas de som pesado pela extrema competência nos trabalhos de estúdio e com a sinceridade de poucos, Fabio ‘Hardcaos’ conta um pouco de sua trajetória no underground e sua visão sobre a cena atual, numa das entrevistas mais divertidas da série. Confira!
NADA POP – O que te satisfaz mais atualmente: o trabalho de estúdio (gravação, produção, mixagem, etc…) ou estar no palco tocando? Por quê?
FABIO – Com certeza estar no palco fazendo um som! Trampar em um estúdio é o que sempre sonhei em fazer paralelamente aos corres das minhas bandas, mas fazer isso no underground num esquema D.I.Y., é como diria o RZO: “Realidade muito triste…”
NADA POP – O foco dos seus trabalhos de gravação e produção parece ser de bandas pesadas, de som extremo. De onde você acredita que tenha vindo essa identificação? Já rolou de gravar algum estilo totalmente diferente? Se sim, como foi a experiência?
FABIO – Vai do punk rock ao deathgrind. Acredito que essas bandas me procuram por já nos conhecermos dos rolês crust, grind, hardcore, metalpunk…
Nunca gravei uma banda que não tivesse nada desses gêneros em sua influência. O trampo mais ‘diferente’ que gravei foram algumas vocalizações e sonoplastias pro próximo EP da banda Yekun. Espero gravar algumas bandas de blues ou jazz em breve pra experimentar algumas ideias em relação a sonoridade da sala do estúdio.

NADA POP – Você se divide entre as funções de baixista (nas bandas Ódio Social e Crackolândia) e guitarrista (na banda Sistema Sangria). Qual dos instrumentos é o seu preferido (se é que existe um) e por quê?
FABIO – Atualizando: agora tô tocando guitarra numa banda fudida do ABC, que tava paradona a uns 8 anos. Aguardem novidades! (risos) Prefiro guitarra, mano. Primeiro porque eu queria tocar os riffs do Tony Iommi, depois os do Max Cavalera, depois os do Jeff Hanneman, depois era fazer as músicas que o Jão fez, e agora meu objetivo é aprender as técnicas do m1to Wagner Cyco. (risos)
Mas eu curto muito tocar baixo, que foi o primeiro instrumento que toquei em uma banda. Confesso que ainda sou extremamente juvenil nessa arte, mas mantenho a virtude de curtir e buscar um som de baixo a lá Lemmy. Diga não ao baixo grave, cuzão! Baixo estalado bruxão na cara é o que liga! (risos)
NADA POP – No ano passado você teve a oportunidade de se apresentar fora do Brasil. Quais as principais diferenças entre as cenas aqui e lá fora?
FABIO – A maior diferença está no Brasil, ou melhor, na mentalidade de quem está envolvido na cena daqui. No Brasil as coisas boas são realmente foda, como são lá fora, mas as coisas ruins daqui são de desanimar, sendo que em outros lugares que conheci as coisas que não funcionam bem não parecem ser um obstáculo tão grande assim pra quem quer fortalecer a cena e são prontamente corrigidos. Essa comparação é história antiga e dá muito pano pra manga pra resumir em uma única resposta. Mas tenho a eterna esperança de que público, bandas, organizadores e donos dos picos reflitam sobre sua maneira de pensar e agir. A cena aqui é boa sim, mas precisa melhorar muito!

NADA POP – A internet encurtou distâncias e democratizou o acesso à discos e shows, além de colocar o artista em contato direto com o público. Você considera essa interação benéfica para o trabalho ou o que se tem no final é uma tentativa de agradar a todos?
FABIO – Acredito que as duas coisas. Penso que temos que considerar os dois lados da moeda e encarar a realidade. O contato direto das bandas com o público é a alma do underground, mas ao mesmo tempo o excesso de informação na internet e o rumo tomado pela evolução na tecnologia tornou a relação com a música algo mais genérico e descartável do que era tempos atrás. Saudosismo de tiozinho? Talvez sim. Mas ninguém pode negar que a música em geral estava melhor a 15, 20 anos atrás. Tocava Ramones no rádio e passava clipe do Sepultura na TV, porra! (risos)
NADA POP – Alguns poucos bares conseguem se destacar e ter uma vida longa quando se posicionam como reduto de shows de bandas autorais independentes. Você acredita que essa fatia de mercado possa vir a ser comercialmente atraente ao empreendedor brasileiro? Como?
FABIO – Claro que sim! Desde que esses empreendimentos atendam as necessidades de público e bandas. Cada cena tem suas próprias necessidades pra realizar uma gig legal. Coisas que vão de bons equipamentos, breja a preço justo, remuneração pras bandas ou simplesmente um banheiro feminino limpo e com papel higiênico. Acredito que nesse caso o sucesso está simplesmente em superar as expectativas de músicos e galera que assiste aos shows. Não é difícil… E olha que hoje em dia não tem ninguém tão exigente assim no rolê, hein! Temos bons exemplos de picos por aí.

NADA POP – Quais os principais itens que uma banda deve levar em consideração e focar na hora de entrar em estúdio para gravar, visando uma melhor qualidade do produto final?
FABIO – Sempre digo pras bandas que o principal é os integrantes chegarem muito ensaiados e só gravarem quando tiverem certeza de que aquelas músicas estão prontas. Isso evita que tempos depois o cába escute aquele som e se arrependa da maneira que foi executada na hora do “Rec”. GRAVAÇÃO EM ESTÚDIO NÃO É HORA NEM LUGAR PRA INVENTAR MODA! Faz o que tá ensaiado e já era! No máximo algumas firulas depois que tudo estiver gravado.
Depois o básico: instrumentos de corda devidamente regulados por luthier e com encordoamento adequado, conhecer o equipamento que vai ser usado na gravação, não levar galera festeira, xereta e palpiteira na gravação (isso atrapalha demais), não chapar antes de gravar, etc… Vocês sabem! Zuêra só no ensaio. Gravação é trabalho de ambas as partes. Se a banda não colaborar, nem o Scott Burns vai mandar bem no estúdio.
NADA POP – Os serviços pagos de streaming como Spotify parecem ser uma alternativa viável para a remuneração dos artistas independentes. Porém também apresentam uma tendência à fragmentação do trabalho, uma vez que dificilmente um usuário ouviria um disco todo e na sequência original. Qual sua opinião sobre esses serviços?
FABIO – Talvez a banda deva considerar a possibilidade de lançar alguns singles independentes dos álbuns. Acabar com “o álbum” seria o tiro de misericórdia na música em si! Mas aí, sinceramente pra mim não fede nem cheira… Não faz parte da minha realidade e nem de muita gente por aí. Continuo colecionando vinil, cassete, CDs de bandas underground e usando a internet pra escutar e assistir o que não tenho em formato físico. Ninguém precisa se tornar escravo disso, é uma opção.
NADA POP – Qual disco você gostaria de ter gravado? Por quê? (pode colocar um como produtor e outro como músico se quiser, ok?)
FABIO – Difícil essa, hein m1to… Talvez, se eu tivesse tocado no Reign In Blood (Slayer) e produzido o The Gathering (Testament) nem eu me aguentaria!!!! (risos)
NADA POP – Muito obrigado pela conversa. Este espaço é livre para o que você quiser dizer!
FABIO – Quero dizer que estou sendo ameaçado de morte pra responder a essa entrevista. Digo mais! Boa parte do conteúdo foi censurado pelo braço da ditadura militar remanescente na redação do Nada Pop, e o restante é brisa da minha cabeça. Aproveito pra alertar jovens de 8 a 80 anos sobre o perigo de se fazer “certas amizades” por aí. Eles podem te fazer um adesivo escrito “M1to m1tando”!!!!! (risos)
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Clique AQUI e troque uma ideia com o Fabio “Hardcaos” para saber um pouco mais como funciona o seu trabalho com gravação de bandas e como produtor. Não deixe de curtir as páginas das bandas Ódio Social, Sistema Sangria e Crackolândia. Também não deixei de acompanhar essa série e aproveite para ler as outras entrevistas com as lendas do underground.
Uma resposta
ficou foda, parabéns a todos