Ariel, o homem que fez surgir o punk rock no Brasil, sendo um dos atores fundamentais para disseminação da cultura, som e, principalmente, filosofia punk. Dono de uma presença de palco ímpar e autor de letras ferozes e libertárias. Representante máximo de toda a revolta necessária capaz de nos fazer mover e insurgir sobre leis conservadoras e até tirânicas. Ele não é só uma lenda, ele é a própria fúria.
Entrevista feita pelo Fábio Rodarte (da banda Sarjeta e ex-integrante dos Invasores de Cérebros).

NADA POP – Ariel, como você se sente atuando com a clássica formação do veículo de maior expressão de sua caminhada no punk rock, os Invasores de Cérebros?
ARIEL – Estou envolvido com o punk rock há pelo menos 40 anos e com a banda que resolvi ter como forma de expressão máxima há 28. Quando o elo original se desfez, com a saída do Zorro por volta de 1997, resolvi continuar assim mesmo e a partir daí as composições passaram a ser compartilhadas com outros músicos, tornando o som diferente, até mesmo porque os tempos mudam muito rápido e o som precisava acompanhar as mudanças, mas sempre seguindo uma linha de composição própria, com as letras dando o direcionamento necessário à sonoridade única da banda.
Os tempos foram passando e depois de inúmeras formações, acredito que deixamos um legado de músicas que realmente fizeram a diferença nesse mundo pasteurizado. Tivemos muitos companheiros que vestiram a camisa e produziram coisas realmente interessantes, por outro lado, teve pessoas que estavam apenas quebrando um galho, o que fazia a banda estagnar e talvez esse seja o motivo de não lançarmos muitos discos e nos tornarmos uma banda de palco.
Depois de várias decepções, até mesmo com amigos de longa data, resolvi por duas vezes dar um fim a essa saga e no final de 2015, já não pensava mais em ter uma banda pra me preocupar e comecei a me ocupar com participações com outras bandas, discotecagens, palestras, produções culturais, documentários, exposições de arte punk e recentemente apareceu até mesmo uma oportunidade de fazer parte de uma rádio online, a Antena Zero, que me recebeu muito bem e estou muito contente em fazer parte de seu cast.

No final de 2015, depois de quase 20 anos, o Zorro apareceu em casa pra mostrar um material raro e inédito em fita cassete e por ironia do destino, nesse mesmo dia apareceu o Popó e já com ¾ da banda presente seria inevitável uma conversa sobre uma possível volta.
Conversamos bastante e recrutamos o Cuga para algumas apresentações e a banda começou a ensaiar com uma grande ajuda do Renato Sete Sete, que nos ofereceu o Estúdio Da Rua para ensaios, gravações e apoio técnico nos shows. No começo dos anos 90, ensaiávamos todos os dias e na época éramos imbatíveis tocando juntos e a sinergia acontecia de verdade. Bastava um olhar e já nos entendíamos e depois de todo esse tempo sem tocar o velho e bom Invasores de Cérebros, alguma coisa ficou perdida no passado e difícil de retornar hoje em dia.
Acredito que essa volta será temporária, porque depois de todos esses anos muita coisa mudou e cada um tem um objetivo maior em sua caminhada e como o punk rock e seu movimento tem altos e baixos, como uma montanha russa, são poucos os que têm coragem de subir em seu carrinho, não é mesmo? Mas é isso, nas comemorações de 40 anos de Punk Rock pelo mundo, os velhos Invasores de Cérebros estão aí pra resgatar alguma coisa perdida entre o profano e o sagrado dessa sina que insiste em nos atormentar…

NADA POP – Quais as maiores decepções recentes que fizeram você decidir dar um fim? Existiam seis músicas que não foram lançadas e nem gravadas nos dois CDs oficiais dos Invasores de Cérebros, e nem no EP, e também uma versão da música Espanha en El Corazon, mais duas músicas que não chegaram a ser finalizadas. Como pensa em gravar e lançar isso? Afinal, são ótimas canções, algumas bem conhecidas do público, pois estiveram no set list da banda nos últimos anos.
ARIEL – As principais decepções são as pessoas (risos). Acredito que a falta de comprometimento e até mesmo a falta de sintonia entre os integrantes da banda estavam nítidas até mesmo para o pessoal que a acompanhava. Eu, na verdade, não sabia mais se o que eu escrevia ou dizia em cima do palco estava em concordância com quem estava ao meu lado.
Nos últimos tempos a banda mudou diversas vezes a sua formação, e esse talvez seja o motivo maior de não termos muito material gravado. No repertório dos Invasores temos muitas músicas que não foram gravadas e que também acho que deveriam ser lançadas algum dia. Duas músicas novas gravadas bem recentemente foram muito mal trabalhadas numa gravação caótica, com uma mixagem muito mal conduzida e por isso abortadas. Espanha em el corazón é o poema completo de Pablo Neruda, do qual tiramos Sangue de Crianças, presente no EP e resolvi incorporá-lo como uma poesia dentro da música. Minhas visões poéticas às vezes são mal compreendidas e quase sempre não consigo encontrar figuras tão loucas como eu pra acompanhar minhas visões apocalípticas.

NADA POP – Fale um pouco mais sobre como surgiram as ideias e os convites para o curta “João Brandão Adere ao Punk”, e também do Documentário “Ariel, Sempre Pelas Ruas”.
ARIEL – A ideia de fazer um vídeo baseado no texto do Drummond partiu de uma conversa entre eu e o Grilo, punk atuante do Distrito Federal, durante uma visita que fizemos eu, você e a Tina à Brasília, quando rolou o show que o Olho Seco e Sarjeta fizeram no Mercado Cultural Piloto.
Na verdade, eu não dei muita importância na época, pois achei que seria mais uma viagem, que ficaria apenas na conversa. Um belo dia o Grilo ligou em casa e disse que era pra eu ir pra lá pra gente começar as filmagens, que ele tinha arranjado uma produtora, o grande J. Pingo como protagonista e tudo mais. Então fui pra lá e ficamos uma semana gravando um curta-metragem de 15 minutos sobre o excelente texto do poeta maior. Esse curta participou em setembro passado do Festival de Brasília na mostra competitiva sendo muito bem recebido. Está também inscrito em outros festivais pelo Brasil.
O documentário que está sendo produzido sobre a minha trajetória no estranho mundo do punk rock, é mais uma maneira de eu colocar todo meu acervo a serviço de quem se interessar por arte marginal e contra cultura em geral. A ideia partiu do Marcelo, que esteve nas produções dos documentários do Ratos de Porão e do Gangrena Gasosa. Está a todo vapor e acredito que vai enriquecer muito nossa história dentro do Movimento Punk.

NADA POP – Neste evento em Brasília você leu vários poemas Punks, o mesmo aconteceu em outros eventos, até mesmo na apresentação do meu TCC, que explorou a relação entre literatura clássica, poetas malditos com a literatura Punk, como um influenciou o outro, você acredita que isto esteja em falta nos dias de hoje no movimento? Pois isto foi mais explorado em zines e saraus durante a década de 90 e começo dos anos 2000. Ao que você pode atrelar a falta de interesse desta prática para as novas gerações do movimento Punk?
ARIEL – Acredito que sim. Quando começamos o punk rock no Brasil, tínhamos poetas que depois viraram músicos, ou seja, antes da música veio a poesia. Eu mesmo declamava Carlos Drummond de Andrade nas apresentações da Restos de Nada pelas quebradas e isso era muito comum. Mesmo nos discos de bandas OI, como no Carry on OI!, tem declamações de Gary Johnson muito interessantes, As novas gerações foram perdendo o hábito da leitura e acredito que isso influenciou no modo de se ver a poesia como algo fundamental em nossas vidas. Tudo é muito digital e prático demais para a criação de uma compreensão sensível sobre o mundo e a poesia ajudaria muito nesse ponto. Mas continuo tentando dar vazão para essa forma de expressão. Vou morrer tentando.

NADA POP – Ainda sobre mudança de hábitos, recentemente você postou a letra da música que sairia numa coletânea antifascista, música chamada “Sobre Direitas e Esquerdas”, junto da letra você postou uma foto dos ex-presidentes juntos sorrindo, Dilma (atual), Lula, FHC, Collor e Sarney. Além de sermos boicotados da coletânea que fomos convidados pra “apadrinhar”, fomos acusados de fascistas entre outros adjetivos. Isto se tornou uma constante em todo movimento que sempre foi orquestrado de forma autogestiva pela máxima “faça você mesmo”. Você acredita que esta posição veio pra ficar? Anarquismo, autogestão, isto tudo se tornou algo do passado? O lance agora é escolher o “menos pior” e sofrer calado as consequências de leis antiterrotistas, atos genocidas, sermos passivamente roubados e sofrendo repressão em aldeias e passeatas de estudantes contra medidas de prefeitos “futuristas”?
ARIEL – Sinceramente, fico pensando o que as pessoas entendem sobre o que escrevo, sobre minha trajetória, sobre a minha filosofia de vida ou mesmo sobre o que falo no palco. Se soubessem, talvez não nos convidassem para participar de uma coletânea tão sem sentido como aquela.
Queria deixar claro que continuo achando tanto a esquerda quanto a direita uma merda e digo que, antes de dizer que são anti qualquer coisa, procurem se informar sobre o que cada um pensa sobre liberdade ou luta revolucionária. Eu fico confuso vendo tanta gente voltando a cultuar métodos ultrapassados e afirmando ainda que o anarquismo é utopia, portanto não uma forma de luta concreta, como por exemplo isso que você falou sobre votar no menos pior.
Hoje, são poucas pessoas que praticam o faça você mesmo, preferindo nivelar por baixo em situações medíocres de luta. Eu que pensei que estaríamos na linha de frente do pensamento revolucionário, em todos os sentidos, sinto um profundo pesar em ver que a tecnologia e a informação em excesso estão anestesiando o verdadeiro pensamento crítico e por que não prático em ações diretas. Nem um som decente conseguem fazer, querendo sempre nivelar por baixo, numa total falta de capacidade e criatividade em fazer algo. Mas acredito ainda que possamos desafinar o coro dos contentes e irritar as pessoas de bem, para o bem ou para o mal.

NADA POP – Como surgiu a ideia da exposição de fotos, flyers e zines? Adorei demais, principalmente do material dos anos 80, pois não vivi esta época do Punk, mas foi a que mais me influenciou. E aproveitando, me dê um “furo de reportagem” (risos), quando você vai lançar um livro, contanto estas histórias clássicas que você nos conta com propriedade e como poucos?
ARIEL – Eu tenho, ao longo de 40 anos, juntado muita coisa relativa ao Punk, como Fanzines, Fotos e Flyers e as vezes pego alguns pra folhear e descubro, novamente, a importância que tiveram na época em que foram lançados. Sou doente por literatura, arte gráfica, arte plástica e contra-culturas em geral e tenho tudo isso guardado em casa, resolvi fazer essa mostra com 300 peças, das mais antigas, para mostrar o que fazíamos nós mesmos, além de tocar em bandas e arrumar encrencas (risos).
Sou um cara muito confuso mentalmente e acho difícil coordenar ideias de vez em quando e preciso de muita concentração e calma para organizar meus pensamentos. Nesse momento, com as misérias do cotidiano a me perseguir, estou desorientado e escrever um livro seria impraticável. Até já fiz alguns esboços, abortados logo em seguida. Mas com certeza tenho muita vontade de escrever minhas memórias.
NADA POP – E por falar em encrenca, quero fazer aqui uma pergunta “Funéria” bem cafona. Na minha lápide quero escrito “sexo, drogas e punk rock, e uma pitada de confusão”. E na sua? Tem alguma ideia? (risos)
ARIEL – Vou ser cremado, mas dá pra escrever no bauzinho, né? (risos). “Nadou muito contra a corrente do rio que tudo arrasta… Um coitado, nadou pra margem errada.”
NADA POP – Obrigado pela atenção Ariel, nos vemos no próximo pogo, pra terminar deixe uma mensagem aos leitores do Nada Pop. Um abraço mestre.
ARIEL – Desobedeçam.
