Punk, hardcore e alternativo

Carlos Latuff - Suas charges são usadas como armas por manifestantes pelo mundo.
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Entrevista Latuff – A função do artista é violentar

Carlos Latuff é um dos principais ativistas políticos de esquerda no Brasil. Suas charges são publicadas em diversos países e o tema principal do seu trabalho é ligado aos direitos humanos, cidadania, contra a repressão do Estado aos movimentos sociais, além da causa a favor da Palestina.

Já foi ameaçado de morte, seu trabalho é muito compartilhado pela internet e suas charges costumam ser usadas por manifestantes como símbolo de luta e denúncia. O Nada Pop conversou com o Latuff para saber a respeito de seus gostos musicais, ativismo e o uso da arte para provocar a reflexão e o debate. Confira abaixo.

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ENTREVISTA CARLOS LATUFF

NADA POP – Gostaria que você contasse como foi o seu primeiro contato com o punk/hardcore. Afinal de contas, você ainda ouve esse estilo de som? Quais bandas você poderia citar? Num paralelo com o seu trabalho, você (quando pode) costuma ouvir algum som punk ou ainda mais agressivo para desenhar? Qual?

LATUFF – Isso já faz muito tempo, quando havia uma emissora de rádio chamada Fluminense FM, em Niterói, que transmitia só rock, e tinha um programa chamado “cantinho punk”. Foi ali que tive contato com os primeiros ruídos. Não me lembro de nenhuma banda em específico, mas lembro que meu forte na época nem era tanto o punk/hardcore e sim o heavy metal, muito influenciado por um colega de trabalho chamado John Kennedy Silva, que tinha uma banda. Faz tempo que eu não ouço música agressiva pra desenhar, hoje passo mais tempo ouvindo Drone Zone e Space Station, ambos canais da rádio web Soma FM.

NADA POP – A frase “A função do artista é violentar”, do Glauber Rocha, está estampada em seu site, como se fosse seu lema. Em sua opinião, essa é a verdadeira função do artista na sociedade? Acredita que a arte vem violentando menos do que deveria, pode dar exemplos?

LATUFF – Sim, tem sido meu lema. Creio que não só as artes mas tudo anda muito alinhado, acomodado, na tal “zona de conforto”. Isso não é um fenômeno apenas do Brasil, já viajei pelo mundo e tenho visto o mesmo problema. Temos um sistema político e econômico que nos transformou em meros consumidores de celular. Sistemas modernos de comunicação, e pra quê? Pra fotografar o gato, o dedão do pé, selfies e afins. Dentro dessa perspectiva, é preciso resgatar o valor da arte não como reafirmação desse modelo, pelo contrário! Ter na arte a cunha que vai partir ao meio o conformismo, o reacionarismo. Por isso é preciso uma arte para além dos Romeros Brittos da vida, abrir consciências e não empareda-las.

NADA POP – Lutar contra establishment é uma tarefa que pode trazer muitas ameaças de morte, além de prisões indevidas – vide o caso do morador de rua que foi preso por tirar uma foto com crítica ao Estado (http://migre.me/n6Ejt). Você mesmo é considerado inimigo público de Israel e já foi ameaçado de morte em diversas situações. Houve alguma situação real de perigo que você tenha vivido e teve medo de morrer, qual?

LATUFF – Costumo dizer que se é pra sentir medo, melhor não se engajar na luta. Tá na chuva é pra se molhar. Se eu tiver que pagar o preço pelas minhas convicções, que seja. Mas não volto atrás, assumo as coisas que digo, faço e desenho.

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“Se eu tivesse que escolher uma charge associando ativismo e música, escolheria essa, parte de uma série, defendendo o boicote artístico ao estado de Israel, conclamando os artistas a não se apresentarem num país que oprime o povo palestino ” – Latuff

NADA POP – O tema da repressão policial, assim como a religião, são assuntos que despertam a raiva e o ódio mais facilmente contra você no Brasil? O quanto você diria que o nosso país é democrático?

LATUFF – Não só no Brasil, mas esse fenômeno é verificado também nos EUA, por conta, por exemplo, do assassinato do jovem negro Michael Brown pelo policial branco Darren Wilson. A classe média branca (sempre ela) foi em peso defender Wilson, com aqueles mesmos argumentos que nós no Brasil já conhecemos de partidários de Jair Bolsonaro. Até a Ku Klux Klan foi em defesa do policial. Lá como aqui o perfil das vítimas da polícia tem a ver com classe, gênero e cor, não necessariamente nessa ordem. Tenho plena convicção de que tanto nos EUA quanto no Brasil a polícia mata pobre e preto. E sempre haverá os idiotas que acreditam nas instituições policiais como vacas sagradas, acima de qualquer crítica, creem piamente na falácia de que são valorosos homens da lei dando seus sangue pra defender a sociedade. Como diria Humberto Gessinger, “E o fascista fascinante deixa a gente ignorante fascinada”. Sobre democracia, eu não sei o que é, nunca vivi numa pra saber.

ferguson-cop-darren-wilson-murderer-of-mike-brown-acquitted-altagreerNADA POP – Você conseguiria nos dar exemplos de artistas/músicos, não necessariamente do estilo punk/hardcore, que retratam em suas canções causas como, por exemplo, a da Palestina, Curdos e Mapuche? E no Brasil, existem bandas do “mainstream” que você reconhece algum interesse ou vontade de retratar os problemas sociais no Brasil?

LATUFF – Cara, gosto do Rage Against the Machine, Racionais e Calle 13, são bons exemplos de músicas feitas pra refletir. Tenho saudade da Plebe Rude, como faz falta uma banda assim! Mesmo figuras como Cazuza (“a burguesia fede”) e Renato Russo (“que país é esse?”) que mesmo não sendo artistas engajados, fizeram canções para além do “que isso novinha”.

NADA POP – Eu gostaria que você citasse outros artistas – chargistas, ilustradores, desenhistas – que influenciaram o seu trabalho ou que você também admira. Joe Sacco, Will Eisner, Artie Spigelman, são artistas que você recomenda?

LATUFF – Ah claro, Joe Sacco realizou verdadeiras obras de jornalismo ilustrado, uma boa referência sem dúvida. Tenho também como referencias as charges de Naji al Ali (palestino) e as fotomontagens de John Heartfield (comunista alemão). Uma grande referência também foi a revista MAD e os quadrinhos de guerra de Joe Kubert. Houve um tempo que eu curtia mangás, cheguei a ir a Tóquio em 1994 e visitei a mega editora Shogakukan pra ver como eram produzidos. Perdi o tesão naquele Toyotismo artístico. Hoje tenho verdadeira ojeriza desse troço.

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NADA POP – Latuff, muito obrigado pelo papo. Eu gostaria que você encerasse falando de alguma situação que você tenha presenciado ou saiba a respeito que sirva como exemplo de estímulo para o seu trabalho. Além disso, uma pergunta pessoal da minha parte. Qual a sua opinião sobre as manifestações da extrema-direita que vem acontecendo pelo país?

LATUFF – Vários foram os momentos. Quando me encontrei com a Débora Silva, que teve o filho assassinado pela polícia de SP e fundou o movimento das Mães de Maio, quando me encontrei com familiares de vítimas do “Bloody Sunday” na Irlanda do Norte, quando me encontrei com jovens palestinos no Fórum Social em Porto Alegre. A luta dessa gente me alimenta a continuar colocando a arte como instrumento de luta.

A extrema-direita é um tumor que nunca vai embora. Ele está sempre lá, escondido em algum lugar da sociedade, hibernando, aguardando o momento certo para crescer, alimentado pela ignorância e o preconceito.

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Para conhecer o trabalho do Carlos Latuff, visite seu site: http://latuffcartoons.wordpress.com/

No seu Facebook também é possível ver outros trabalhos e conhecer mais sobre seu ativismo político, clique AQUI.

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