
Se você tivesse que escolher um álbum para ouvir em um campo de batalha, enfrentando um exército inimigo com o dobro da sua infantaria, e tudo o que você tem é sua coragem e vontade de lutar, mas suas chances são mínimas, seus aliados estão feridos e mesmo assim você avança, com tudo aquilo que tem. Pode ser seu último suspiro, mas desistir não é uma opção. O que você gostaria de ouvir? Quem seria sua companhia sonora para esse dramático momento?
Achou forçada essa introdução? Se te disser que a guerra mencionada acima pode estar sendo travada por você neste momento ou por alguém que você conhece? Depressão, miséria, desemprego, doenças ou quem sabe ser apenas alguém lutando para sobreviver em um País governado por políticos fascistas, que pisam cada vez mais em cultura e educação e extinguem aos poucos os seus poucos direitos trabalhistas, enquanto ministros e juízes gozam de luxo e se tornam ainda mais uma casta de pessoas superiores, muito acima do que você pensa e consegue imaginar.
E aí, faz mais sentido pensar em algum álbum dessa maneira?
Na próxima semana, no dia 10 de maio, a Statues on Fire irá lançar física e digitalmente o álbum “Living in the Darkness”, o melhor disco da banda até o momento. Com 12 faixas, muito mais pesado e ao mesmo tempo melódico, o nível alcançado no disco beira a perfeição. Não é exagero, foram horas e horas ouvindo com certa exclusividade faixas como “Failure Misunderstand”, “Moving Forward”, “Break you Down”, “Wake Up” e “Foggy”. Uma porrada atrás da outra, letras ainda mais incendiárias e o vocal do André transmitindo uma raiva muito mais intensa do que antes.
O álbum é um lançamento da Rookie Records, da Alemanha, e Snubbed Records, nos Estados Unidos. Ou seja, uma força tarefa literalmente para fazer com que a banda continue ampliando o seu alcance fora do país. Falando nisso, entre maio e junho a banda realiza sua quinta tour pela Europa, dessa vez com a presença marcada em festivais por lá.

“Living in the Darkness” é o terceiro álbum da Statues on Fire e conta com a produção de Marcello Pompeu e Heros Trench. Os discos anteriores do grupo, “Phoenix” (2014) e “No Tomorrow” (2016), também são excelentes. “Nothing Is Really True”, ao menos pra mim, é uma das melhores do hardcore nacional (uma lágrima quase caiu nesse momento). Mas ao compará-los com o atual álbum, o que realmente é impossível de se fazer, “Living in the Darkness” acaba saindo na frente por apresentar uma banda ainda mais entrosada, coesa e que se encontra musicalmente, unindo fúria e riffs, força e a técnica em prol da música.
Podemos até não vencer a guerra e, quando caídos, sentir o peso do mundo em nossas costas. Ao menos, será possível dizer que lutamos com honra e verdade. Se você tivesse que escolher um álbum para ouvir em um campo de batalha, qual banda seria?
Statues on Fire – Living in the Darkness (2019)
Faixas do álbum: Failure Misunderstand; Time Stand Still; Moving Forward; Marielle; Living in Darkness; Rescue me; Letter to You; Break You Down; Wake Up; Foggy; Take me All the Way e All Was Gone With You.
Abaixo uma entrevista com o frontman da Statues on Fire, André Alves.
NADA POP – Sei que cada álbum é uma vivência, uma história, mas o que você, como frontman da Statues on Fire, avalia que o álbum tem de melhor em comparação com os dois álbuns anteriores?
ANDRE ALVES – Nós colocamos as guitarras lá nas alturas dessa vez (hahaha) e isso já é uma puta de uma melhora. Mas disco novo é sempre o preferido, ele é um pouco mais rápido que os anteriores e bem mais melódico quando precisa ser. Foi um ano de muito estudo, suor e lágrimas. Eu não esperava menos.
NADA POP – Senti uma pegada mais “raivosa” nesse disco, com vocês tocando não só com a técnica, mas com todo a revolta e ódio do mundo e um peso na batera e riffs que se tornam condutores das mensagens políticas que vocês passam. Minha visão sobre o álbum parece de alguma forma com o que vocês sentem sobre esse disco?
ANDRÉ ALVES – Ele é uma mistura compacta dos dois primeiros discos, melódico e agressivo, melódico e pop algumas vezes. O momento é de reflexão. O que está acontecendo no Brasil e no mundo é uma vergonha, nossas letras funcionam tanto aqui como fora, mas você pode dizer sobre a Marielle, bom isso ecoou nos quatro cantos do planeta, respondo várias entrevistas para a Europa agora, 10 perguntas sobre o xucro (Jair Bolsonaro) e cinco sobre o disco.
NADA POP – Imagino que a entrada do Regis Ferri (guitarra) tenha contribuído para o peso que esse novo álbum apresenta. Por esse ponto de vista, como você avalia a participação do Regis no álbum e como foi a entrada dele para a banda? Houve algum critério específico para a escolha dele como novo integrante da Statues?
ANDRÉ ALVES – Andre Curci não podia mais seguir com a gente, como eu tenho um estúdio sempre estou de olho nos músicos, sei quem toca legal ou não. Regis era um desses clientes que ficam seu amigo com o passar do tempo e como o Andre não queria ir pra Europa ano passado, eu propus isso pra ele (Regis). No dia seguinte, ele me mandou um vídeo tocando a No Tomorrow inteira, bom… Entrou na banda e tem uma Flying V Gibson (rs). Regis entrou de cabeça no projeto e isso que a gente precisava, toda semana trocando ideia, discutindo música por música, então a contribuição dele nas composições ficaram mais ricas, ao invés de ter apenas três membros da banda no comando. Hoje, além de ser um membro é um grande amigo.

NADA POP – Nesse novo álbum temos uma faixa dedicada a Marielle Franco. Em um país tão polarizado como o nosso, o quanto você acredita ser importante a manifestação e posicionamento político de uma banda a favor da justiça e liberdade?
ANDRÉ ALVES – Estilo ninguém vai nos calar… Se você não concorda que esse assassinato não é um absurdo completo, um desrespeito ao ser humano e a liberdade, por favor, nunca escute a nossa banda, você não entendeu nada, nunca, nem punk rock e hardcore você deveria estar ouvindo, joga fora seus discos do Bad Religion, Pennywise, DK e afins.
NADA POP – “Living in the Darkness” é um álbum que me parece obscuro e, ao mesmo tempo, busca manter uma esperança no futuro e incentiva a transformação individual como forma de melhorar o coletivo. Essa percepção parece fazer sentido pra você? O que te mantem em esperança com o mundo?
ANDRÉ ALVES – Creio que o mundo anda meio sem rumo, ou melhor, o Brasil anda sem eira e nem beira. País de quinta categoria cheio de pobre metido a besta por se achar classe média flertando com um discurso de ódio nazi/facista, não creio que esse é o tipo de coisa que lhe dá alguma esperança. Não é mesmo?
A música “Living in the Darkness” é sobre a depressão, perdi alguns amigos para ela e venho perdendo sempre.
NADA POP – Statues on Fire possui uma larga experiência com turnês pela Europa. Por que se manter em contato com o público de lá ao invés de uma tour pelo Brasil, por exemplo? Não é uma crítica, ao contrário, o intuito é entender a importância e a relação da banda com o público europeu. Diriam que a Statues acaba ampliando mais o seu círculo de fãs pela Europa do que por aqui?
ANDRÉ ALVES – O circuito brasileiro mudou muito de uns tempos pra cá, não se tem a quantidade de shows que tínhamos antigamente, nós preferimos tocar menos do que tocar de qualquer jeito ou fazer sem qualidade. Fora que os produtores locais estão sempre tomando um prejuízo com os shows. Cada vez menos pessoas estão saindo de casa pra ver as bandas, ou se saem, sempre veem a mesma coisa. Levar uma banda de quatro pessoas para qualquer lugar é um puta custo fudido.
A Europa é apenas mais um lugar que vamos, porém lá as distâncias que percorremos nos facilita equalizar quantidade x qualidade x custos. Fora que temos uma gravadora forte por trás do nosso nome colocando nossa música em vinil e digital e também podemos tocar todos os dias, de segunda a segunda, coisa impossível aqui no Brasil. Agora abrimos um outro canal que é nos EUA via Snubbed Records.

NADA POP – Hangar fechou, outras casas fecharam as portas e muitas bandas se queixam da falta de espaço e também do pouco interesse do público. Quais alternativas e futuros caminhos para o hardcore que você consegue enxergar no horizonte? Vamos todos falir culturalmente falando?
ANDRÉ ALVES – Sobre o interesse do público… Olha, não dá pra enfiar a goela abaixo a sua música pra ninguém, sobre os espaços… O lance é continuar tocando e se tiver que improvisar para sua banda tocar, faça você mesmo, porque na real, a gente nunca precisou de ninguém pra tocar a nossa música ou tocar em qualquer lugar, você inventa o seu espaço, você cria o seu rolê, seus amigos levam seu nome, assim que se cria um público. Assim que eu acho que as bandas deveriam se portar, nada cai do céu. Hoje tem muita coisa na internet, tá tudo muito confuso. Nosso nome está lá, se quiser clicar e nos escutar, pois bem… Se não, foda-se, show gringo tá sempre sold out…
Sou de um tempo que tocar punk rock era pior que cuspir em imagem de santo. Nunca teve espaço, criamos nossa cena, depois que as bandas e os produtores começaram a ganhar dinheiro a coisa mudou bem de figura.
NADA POP – Nesse sentido, em sua opinião, qual seria o grau de participação do atual governo Bolsonaro para esse falecimento?
ANDRÉ ALVES – Acho que nem deu tempo para relacionar uma coisa com a outra, porém o xucro quer cortar verba do Sesc, de prefeituras ou da cultura em geral, já era de se esperar. O filme favorito dele deve ser o Rambo e se ele escutasse hardcore a banda preferida dele seria o Screwdriver, cultura nunca foi o seu forte mesmo.

NADA POP – Quais outras bandas vocês acreditam que possuem uma postura importante a favor dos direitos humanos que você indicaria para quem ler essa entrevista e conhecer?
ANDRÉ ALVES – Nacionais, acho que muita gente vem se posicionando contra esse fascismo crescente, como nós, o Paura, o Ratos de Porão, Malvina e muitas outras.
NADA POP – Recentemente vimos uma polêmica envolvendo o Dead Kennedys e um cartaz promovido sobre os shows da banda no Brasil. Muitos criticaram a postura da banda. Você possui alguma história vivida com a banda que possa contar? O que ela representa para você?
ANDRÉ ALVES – Sempre pensei que eles eram uma banda com dedo na ferida, mas com o Jello, um cara que tem um posicionamento muito firme quanto as questões dessa natureza, bem como ele é um estudioso dos dramas vividos aqui na América Latina. Eu achei o cartaz lindo, mas sei lá, os caras devem ter pensado “com fascismo não se brinca” ou algo do tipo, sendo que o presidente deles é outro verme nojento também. New Model Army depois da música 51st nunca puderam pisar nos EUA, mas se bem que americano entra aqui sem visto mesmo, tipo casa da mãe Joana…
NADA POP – Aproveitando essa do DK, minha última pergunta é como você espera que o legado da Statues on Fire seja lembrado no futuro?
ANDRÉ ALVES – Cara temos muitas pessoas nos seguindo no momento e tem aumentado a cada vez mais, espero que lembrem de nossa banda com carinho e que de certa forma a gente conseguiu tocar o coração de cada um de uma forma especial, que a mensagem de nossas letras tenham um significado real e que possa ser a sua voz em algum momento da sua vida.
ATUALIZAÇÃO (10/05/19): No dia 10 de maio, como já citado pela banda, o álbum Living in Darkness foi divulgado pela banda. Entre as plataformas onde o álbum foi lançado, o YouTube foi uma delas. Abaixo o vídeo com o álbum completo. Aproveite!
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