Punk, hardcore e alternativo

Ilustração por Rafael Moralez
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Crônica ~ Três temas – O povo, o relógio e a vaca sagrada

Tema 1 – Em nome do povo.

Penso que é fácil falar “em nome do povo”… …que povo? Eu, você, seu vizinho… …quem? Acontece que o “povo” não tem voz, mas sim tem quem lhe toma a voz. Quem num momento de coragem, ou cara de pau mesmo, sobe num palanque, toma o microfone, ergue o dedo indicador e grita num teatro indignado bem mal interpretado: “O POVO BRASILEIRO… blá, blá, blá …A DEMOCRACIA… mais blá e blá …CORRUPÇÃO.” O que é difícil de entender é por qual motivo o sujeito que está em cima de um caminhão, repleto de alto falantes, tem que gritar na merda do microfone… …não pode falar num tom de voz normal?

– Não, não pode. Tem que gritar que é pra dar emoção!

– Mas não pode ter emoção falando que nem gente grande, sem ficar esperneando no microfone igual criança no supermercado?

– Não, caramba… …já falei que tem que gritar que é pra ter emoção caralho!!!

– Tá, não precisa ficar nervosa, não tá mais aqui quem falou!

Tema 2 – As aparências não enganam.

O dito popular está errado. A aparência diz… …e diz muito sobre as pessoas. Mas tem que prestar atenção aos detalhes e algumas vezes colocar em exercício o olhar reverso. Aquilo que aparenta e que sai pela boca do sujeito é exatamente o contrário daquilo que ele pensa e vai fazer. Eu explico melhor. O cidadão que grita num microfone, com o rosto vermelho, quase cuspindo os pulmões sobre sua própria honestidade, tentando convencer no berro sua idoneidade é porque tem alguma coisa errada ali.

Trabalhei com um sujeito que disse que o relógio dele era de “macho”. Ele provava sua masculinidade pelo relógio que usava. Pô bicho… …pelo relógio? Sim, pelo relógio. O que ele mais gostava era um grande, amarelo… …olhava pro relógio amarelão e falava com um sorriso no rosto:

– Moralez, esse aqui é relógio de macho… …relógio de macho!

Ele não estava de zueira. Ele acreditava mesmo naquilo. Mas ele era um imbecil, então tem que dar um desconto para o cidadão.

Tema 3 – A cauda da vaca santa

Na cidade de Kerala uma vaca é adornada e adorada todos os anos no mês de outubro. Comemora-se o início da temporada de adoração a vaca com o rabo sagrado. No ano de 2012 a vaca escolhida respondia pelo nome de Bilauta (que em hindu significa gatinha). A colheita daquele ano não foi boa, pois os deuses adorados entenderam que vaca sagrada é uma coisa e gatinha é outra. Aproveitei e pedi permissão para amaldiçoar o sujeito do relógio amarelo e o que fala em nome do povo também.

Não fui atendido. Esses deuses também… …vô te contá viu!

E isso vale para nós também… …vou dar uma olhada no espelho.

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