Punk, hardcore e alternativo

Coffee Sounds

THROE
O ENTERRO DAS MARÉS

Um copo de café, um bar de manhã. Um rasgo invisível no meu peito. Mais uma semana. Tristeza e ansiedade, um momento passageiro de satisfação. O gole de café enche meu corpo de mentiras. Teria sido mais fácil fingir acreditar nessa ilusão. O desespero na calçada grita em silêncio. Alguém grita que passou do ponto. “Vai descer motorista!”, disseram. Ainda tenho duas horas para cruzar a cidade. Sentei ao lado da janela para ver a minha vida passar.

Revejo histórias do passado, consulto o saldo no banco. Calculo quantos anos ainda faltam para a minha morte e quais passados eu gostaria de ter inventado para a minha falta de sorte. Se não fosse a buzina de outros carros, o motor do ônibus que parece lutar constrangido, provavelmente existiria um grande silêncio dos corpos vazios de almas ao meu lado. Estou e sou tão vazio quanto. Seguro às lágrimas em meio a cidade cinza. Cruzando avenidas cheias de carros, passando por pontes e viadutos. Quantos de nós ainda se lembra da última vez que foi abraço de verdade por alguém?

Me perco em diversos pensamentos. A fúria abafada pela tristeza, alienado pelas redes sociais, absorto em confusões de sentimentos e minha fome luta intranquila com o meu desalento. Preciso de outro café, mas ainda tenho uma hora no coletivo. Um labirinto mental, onde cada pensamento recaí sobre a mesma conclusão: jamais terei sucesso profissional porque não me rendo ao compromisso de vencer. Os meus fracassos nunca me subiram a cabeça. Gosto de estar do lado dos perdedores, beber na mesa de bar e brindar aos fracos e oprimidos. Tem horas que enlouqueço, são nesses momentos que chego bem perto do precipício e meu inferno é praticamente um hospício particular. Só há espaço para mim.

Contagem regressiva, estou perto do destino final. Um sinal, o ônibus desacelera devagar. Desço e caminho por mais alguns minutos. Vou pensando na passagem do tempo, na explosão do big bang e na origem do universo. Cheguei ao trabalho e agora preciso me esconder de mim por cerca de oito horas. Me sinto caminhando para uma prisão social, um lugar que você não poder expressar opinião, mas usar outra personalidade é o normal, fingir ser o melhor profissional e nunca cogitar uma fuga. A liberdade é uma invenção para que nunca ousássemos ser quem de fato somos.

Mais um dia passou e me questiono se esse ciclo algum dia terá fim. Mas o final sempre virá com uma lanterna, nos dizendo que passar uma vida no escuro não fez com que tivéssemos alguma vantagem. Escondo minhas cicatrizes e volto para casa. O caminho inverso parece menos distante, deve ser a sensação de alívio por mais um dia perdido e de uma humanidade arranhada por e-mails e ligações. É como morrer e ainda saber que nossos corpos seguem no automático. Meu coração ainda não sabe que parti.

Reflexões sobre álbum “O Enterro das Marés”, do guitarrista Vina, que assina o projeto pelo nome Throe. Ouvi exatamente em uma viagem de ônibus, que se tornou outra viagem ao longo do post rock, instrumental e metal industrial do EP que possui três faixas. Ouça e cuidado para não cair no SeteAlém (procure no Google). Esse EP é um lançamento Abraxas Records e está disponível em diversas plataformas digitais.

Barista sonoro Maurício Martins
Categoria Coffee Sounds
Data: 12 de setembro de 2023